Continuamente os católicos romanos afirmam que nós, os evangélicos, rejeitamos as tradições. Não é verdade! De maneira nenhuma rejeitamos todas as tradições, muito pelo contrário, colocamo-las no seu lugar devido até onde elas concordam com as Sagradas Escrituras e se fundamentam da genuína fé cristã “que uma vez por todas foi entregue aos santos” (Judas v.3). Dentro destas tradições, destacamos as confissões e os pronunciamentos dos concílios de diversas igrejas, de maneira particular aquelas da Igreja Primitiva que expressam o conteúdo central da mensagem cristã inseridas nos Credos Apostólico e Niceno, e das confissões do tempo da Reforma Protestante do século XVI. Também encontramos tradições nas confissões e decisões dos concílios das igrejas hoje, às quais devemos dispensar minuciosa atenção, tendo o cuidado de investigar com maior atenção e cuidado seu conteúdo bíblico-teológico, pois a nenhuma igreja lhe foi dado o direito de formular novas doutrinas ou tomar decisões contrárias aos ensinamentos das Sagradas Escrituras, pois a História da Igreja registra que líderes e concílios podem cometer erros crassos e os cometem, alguns deles seriíssimos comprometendo a verdadeira fé cristã.
As decisões conciliares só merecem autoridade, quando se baseiam nas Sagradas Escrituras, pois elas estão em primeiro lugar como única regra de fé e prática autorizada e suficiente em si mesma, e que os padrões denominacionais em sua diversidade existentes devem ser subordinados e colocados em posição secundária. Portanto, nossas tradições tem autoridade subordinada e secundária, podendo ser modificadas quando as suas crenças e práticas não estão em total acordo com a Bíblia Sagrada, a inerrante Palavra de Deus, única regra infalível de fé normativa para a vida e o caráter cristãos.
A irreconciliável controvérsia secular entre o Protestantismo e o Catolicismo Romano é exatamente a questão da autoridade suficiente e final em matéria de fé. A “Constituição Dogmática sobre a Revelação Divina ‘Dei Verbum’ ”, aprovada, decretada, estabelecida e promulgada aos 18 de novembro de 1965 pelo falecido papa Paulo VI assim diz: “O múnus de interpretar autenticamente a palavra de Deus escrita ou contida na Tradição[1], foi confiado só ao magistério vivo da Igreja[2], cuja autoridade é exercida em nome de Jesus Cristo. Este magistério não está acima da palavra de Deus, mas está a seu serviço, não ensinando senão o que foi transmitido, enquanto, por mandado divino e com assistência do Espírito Santo, a ouve piamente, guarda santamente e expõe fielmente, haurindo deste único depósito da fé todas as coisas que propõe à fé como divinamente reveladas”.[3]
E o novo Catecismo da Igreja Católica[4], em sua primeira parte, no Capítulo II, Artigo 2, II, quando fala da “Relação entre a Tradição e a Sagrada Escritura”, na pág. 34, # 80 diz: “Elas estão entre si estreitamente unidas e comunicantes. Pois promanando ambas da mesma fonte divina, formam de certo modo um só todo e tendem para o mesmo fim”[5]. Mais adiante diz que, “a Igreja (Católica), à qual estão confiadas a transmissão e a interpretação da Revelação, ‘não deriva a sua certeza a respeito de tudo o que foi revelado somente da Sagrada Escritura. Por isso, ambas (Escritura e Tradição) devem ser aceitas e veneradas com igual sentimento de piedade e reverência”[6]. E na ‘Dei Verbum’ o posicionamento é mais explícito: “a Igreja (Católica) não tira a sua certeza a respeito de todas as coisas reveladas só da Sagrada Escritura. Por isso, ambas (Escritura e Tradição) devem ser recebidas e veneradas com igual afeto e piedade”[7]. Dando a sua conclusão neste capítulo, o Catecismo, afirma: “Fica, portanto, claro que segundo o sapientíssimo plano divino , a Sagrada Tradição, a Sagrada Escritura e o Magistério da Igreja (Católica) estão de tal modo entrelaçado e unidos, que um não tem consistência sem os outros, e que juntos, cada qual a seu modo, sob a ação do mesmo Espírito Santo, contribuem eficazmente para a salvação das almas”[8].
Vale salientar que a Igreja Católica Romana nem sempre foi o que é hoje. Ela chegou ao seu estado atual através de um processo de desenvolvimento a longo prazo, com acréscimos de novas doutrinas, novos ritos, novos costumes e muitas outras adições, ao longo de 16 séculos. Por conseguinte, o Catolicismo Romano praticado atualmente é fruto de muitos séculos de erros e de tremendas apostasias acopladas ao seu sistema eclesiástico. Ao longo dos séculos, a Bíblia Sagrada foi sendo paulatinamente sendo substituída pelas invenções da crendice popular e aprovadas nos concílios supostamente infalíveis, com o resultado da importação de sistemas pagãos para dentro do Cristianismo.
A “Doação de Constantino”[9] ao papa Silvestre, documento este incluído nas ‘decretais forjadas’, e que teve a sua autoridade posta em questão no século XVI, cuja autenticidade foi impugnada por muitos homens eminentes, sendo sua falsidade finalmente provada por Lourenço Valla e hoje completamente desacreditado, mais os falsos “Decretos de Isidoro”[10], foram os documentos responsáveis pela ‘fabricação’ da assim chamada “sagrada tradição”.
Reportando-nos ao IV Concílio de Constantinopla, em 869 d.C., verificamos que foi promulgado, em seu primeiro cânon, o reconhecimento da tradição, não aquela tradição oral como é hoje defendida pela Igreja de Roma, como aquela que foi estabelecida no Concílio de Trento, mas de uma tradição arquivada nos compêndios da Igreja, constando de uma ininterrupta série de testemunhos, sendo fácil a sua comprovação. Este Concílio tampouco considerou essa tradição no mesmo grau de autenticidade que as Sagradas Escrituras, como assim promulgou o Concílio de Trento, mas apenas a apontou como um “oráculo secundário”. Foram decorridos 15 séculos para que a “sagrada tradição” fosse colocada no nível das Sagradas Escrituras para empanar e sustentar todas doutrinas de então até hoje, da Igreja de Roma. O decreto em questão teve a seguinte redação:
Sobre a Escritura e a Tradição
Sessão IV, 8 de abril de 1546
Concilium Tridentinum, Diariorum, et
Denzinger, 783(1501)“A santa e universal assembléia eclesiástica de Trento… ocupou-se sempre da superação dos erros e da conservação da pureza do Evangelho na Igreja. A seu tempo, este Evangelho foi prometido pelos profetas nas Sagradas Escrituras; Nosso Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, anunciou-o por sua própria boca. Ele mesmo fez que o Evangelho, como fonte de toda verdade salvífica e da ordem moral, fosse pregado a todas as criaturas pelos seus Apóstolos. A santa assembléia eclesiástica sabe que esta verdade e esta ordem estão contidas em livros escritos e em tradições não escritas, que os Apóstolos receberam da boca de Cristo e que foram transmitidas de mão em mão, por obra do Espírito Santo, até chegar a nós. Esta assembléia segue o exemplo dos padres ortodoxos ao reconhecer e venerar com a mesma piedade e reverência todos os livros do Antigo e do Novo Testamento – pois o único Deus é o autor de ambos – juntamente com as tradições que se referem à fé e aos costumes. Pois elas procedem da boca de Cristo ou foram inspiradas pelo Espírito Santo e conservadas na Igreja católica através de uma tradição ininterrupta. E por isso houve por bem inserir neste decreto um catálogo de livros sagrados, para que fique bem assente e não haja a menor sombra de dúvida acerca dos mesmos livros por este sínodo”. (Grifo nosso).
Naquele conclave palco de tão grande dissidência, ao qual assistiram apenas quarenta e nove bispos, houve muita confusão em razão das acaloradas divergências de opiniões sobre títulos diversos, compendiados em nada menos que dezesseis capítulos e trinta e três decretos, seguidos de anátemas e maldições que foram lançadas sobre aqueles que não os aceitassem como matéria de fé, votados em meio a uma grande algazarra prelatícia. Como de costume, franciscanos e dominicanos travaram renhidíssima luta corporal, dois deles, venerados prelados numa demonstração de zelo quanto a suas idéias particulares, se engalfinharam e se estapeando mutuamente com ferocidade, agarrando-se às barbas um do outro, motivando Carlos V ameaçar os beligerantes de lançá-los na prisão, se não se comportassem no recinto dignamente. E, em meio a toda essa algazarra prelatícia, a Igreja de Roma afirma que, mesmo assim, houve “a assistência do Espírito Santo”! Pasmem!
Diante deste quadro de tão evidente amalgamação de opiniões dos prelados conciliares ali reunidos, foi necessário redigir os decretos por uma forma anfibológica. Segue-se ao decreto tridentino uma lista de livros na qual se acham incluídos os seguintes livros apócrifos: Tobias, Judite, Sabedoria, Eclesiástico, Baruc e a última parte dos livros de Ester e Daniel, ou seja, desde o versículo 4 do capítulo 10 de Ester, até ao final do capítulo 16, e os capítulos 13 e 14 de Daniel, que tratam da história de Susana, a história de Bel, o episódio do Dragão e o cântico dos três meninos.
Observando o que acima foi exposto, vemos que os “padres ortodoxos” da Igreja Católica, por uma “tradição ininterrupta”, recebiam os livros ‘apócrifos’ e os outros livros citados no decreto, “com a mesma piedade e reverência”.
Isso não foi verdade! Pois o assunto que os “padres ortodoxos” e um grande número de teólogos, no seio da própria Igreja Católica hajam concordado alguma vez, “com a mesma piedade e reverência” foi exatamente o de banir do sagrado cânon da Escritura os livros apócrifos!
A Escritura Sagrada oficial da Igreja Católica Romana é a Vulgata, traduzida para o latim por Jerônimo (383-405 d.C.), um dos Pais da Igreja do século V. O Antigo Testamento, exceto o livro de Salmos, foi traduzido do texto hebraico, e o Novo Testamento, do texto grego. Ao final do século V, o conhecimento destas duas línguas havia descido a nível tão lastimável e, onde as Sagradas Escrituras eram lidas, usava-se a Vulgata latina, ainda que os prelados do Concílio de Trento reconhecessem que a tradução de Jerônimo não era de todo perfeita e, por esta razão, desejassem fazer uma nova tradução da Bíblia Sagrada. Este trabalho exigia esforço imenso e, além disso, os Reformadores Protestantes firmavam seus argumentos nos textos hebraico e grego, línguas originais da Bíblia Sagrada. Como havia urgência dos integrantes do Concílio de Trento reconhecer um texto oficial, para o qual se pudesse apelar, sempre que necessário, o texto escolhido foi o da milenar tradução de Jerônimo, o qual foi considerado padrão da Igreja de Roma. Vale salientar que a lista dos livros canônicos do Antigo e Novo Testamentos, dada por Jerônimo, não incluía a princípio os apócrifos, cuja inspiração divina ele se recusou aceitar. Mas mesmo assim o Concílio de Trento concluiu: “Se alguém não receber como canônicos todos estes livros, no todo ou em parte, como são lidos ordinariamente na Igreja Católica, e como estão contidos na antiga edição da Vulgata latina, ou, ainda, consciente e deliberadamente, desprezar as tradições aqui inseridas, seja anátema”.
Rejeitamos, portanto, os livros apócrifos: 1º.) porque estes livros não estão no cânon hebraico do Velho Testamento; 2º.) porque não há no Novo Testamento nem uma só citação desses sete livros; 3º.) porque há no Novo Testamento cerca de 260 citações diretas e de 370 alusões a passagens do Velho Testamento, mas não há uma única citação de Cristo ou de qualquer um dos apóstolos aos livros apócrifos; 4º.) porque durante 15 séculos os livros apócrifos não receberam a aceitação da Igreja, até que, em 15 de abril de 1546 e em sua Sessão IV, o Concílio de Trento decretou os controvertidos livros como sagrados e canônicos; 5º.) porque estes livros apócrifos contém passagens com ensinamentos contrários à revelação divina.
É necessário citar que os textos conciliares do Concílio de Trento e do Concílio Vaticano I foram interpretados na teologia católica, até há pouco tempo, no sentido da teoria das duas fontes. Segundo esta, as verdades estabelecidas pela Igreja Católica, que não estão fundadas na Escritura, podem ser demonstradas pela Tradição não escrita. E, portanto, o fato de que um dogma não apareça explícita ou implicitamente na Escritura não constitui nenhum obstáculo, pois em todo caso se pode apelar para a tradição não escrita.
O teólogo franciscano J.H. Geiselmann afirmou, juntamente com outros investigadores, que a teoria das duas fontes não se amolda ao sentido do Concílio de Trento. Segundo a interpretação desse teólogo contemporâneo, ao determinar a relação entre Escritura e Tradição, “apresentaram-se dois esquemas aos padres conciliares. Dizia o primeiro que a verdade do Evangelho está ‘partim in libris scriptis, partim et sine scripto traditionibus’, em parte nos livros da Escritura e em parte na tradição não escrita”. Ele diz que contra este esquema “levantou-se forte oposição”, levando “os padres conciliares a eliminar as palavras ‘partim, partim’ e colocar em seu lugar ‘et’ ”[11] O Concílio Vaticano II considerou de maneira especial, renunciando à teoria das duas fontes segundo a qual a Escritura e a Tradição são consideradas como duas possibilidades de conhecimento, a correr paralelas sem conexão alguma entre si, apesar dos prelados reconhecerem que sua doutrina não é totalmente clara. Mesmo assim, com estas exposições, o Concílio não deu resposta a todos os questionamentos, deixando abertas, intencionalmente, algumas questões. A Constituição Dogmática sobre a Revelação Divina “Dei Verbum” veio tentar salvar o problema, dizendo que a Tradição, sedimentada de “modo especial” (speciali modo exprimitur) na Escritura, é, segundo Michael Schmaus, “entendida como a ação de transmitir e como a ação transmitida”. Este mesmo teólogo crê “que a Escritura se interpreta a si mesma, mas para evitar possíveis controvérsias, devemos acrescentar que a norma de fé presente e operante como enteléquia na Escritura, que dá o critério para a inteligência desta, está nas mãos da autoridade da Igreja”.[12] Apoia este pensamento o novo Catecismo da Igreja Católica quando assim pontifica: “A Sagrada Tradição e a Sagrada Escritura constituem um só sagrado depósito da Palavra de Deus”.[13] A interpretação eclesiástica é uma espécie de comentário da Sagrada Escritura, feita de tal modo pela Igreja Católica e para os católicos romanos, que a forma desta interpretação tem caráter obrigatório. Os portadores da Tradição “é o povo de Deus” e a “Igreja Universal só pode atualizar a função de transmitir a Tradição incorporando-a e subordinando-a ao Magistério Eclesiástico”, mas “não tem papel puramente passivo na atividade transmissora, mas não é independente dos portadores do Magistério Eclesiástico, pois a este foi confiada a decisão”.[14]
O Catecismo diz: “O Magistério da Igreja (Católica) empenha plenamente a autoridade que recebeu de Cristo quando define dogmas, isto é, quando, utilizando uma forma que obriga o povo cristão (católico romano) a uma adesão irrevogável de fé, propõe verdades contidas na Revelação divina ou verdades que com as quais têm uma conexão necessária”. Noutra parte: “O encargo de interpretar autenticamente a Palavra de Deus foi confiado exclusivamente ao Magistério da Igreja (Católica), ao Papa e aos bispos em comunhão com ele”. Vale salientar que o papa nem sempre precisa do “colégio apostólico” (bispos do mundo inteiro) para apoiá-lo em suas decisões, pois assim corroborou o Mons. Péricles Felice, Arcebispo titular de Samosata, Secretário Geral do Sacrossanto Concílio Ecumênico Vaticano II: “O Romano Pontífice, quando se tratar de ordenar, promover e aprovar o exercício da colegialidade em vista do bem da Igreja (católica) procede segundo a sua própria decisão. O Sumo Pontífice como pastor supremo da Igreja (católica), poder exercer o seu poder em qualquer tempo à sua vontade, como é exigido pelo seu cargo”[15]
A Igreja Católica Romana tem sido desafiada a revelar em que consiste este “depósito sagrado”, qual é, de fato, o seu conteúdo total – além daquilo que “o Papa e os bispos em comunhão com ele” têm anunciado – mas ela, porém, jamais deu a conhecer estas cousas! Por isso, somos levados à conclusão de que ela prefere guardar em segredo a substância de que faz a “sagrada tradição”, com o objetivo de retirar, do seu “depósito sagrado” as novas formas de doutrinas que as circunstâncias vão exigindo, à medida que o tempo vai passando. É certo que a Igreja Católica Romana aceita muitas verdades concernentes a Jesus Cristo e aos apóstolos, verdades estas que todos os cristãos podem aceitar igualmente. Mas não há a mínima evidência de que outras tradições tenham sido legadas à Igreja, além daquelas verdades consignadas nas páginas do Velho e Novo Testamentos. A Igreja Católica Romana, para refutar esta assertiva, cita determinadas passagens bíblicas que, segundo ela, evidenciam o contrário. Uma desta passagens é o texto de João 20.30 onde se lê: “Jesus, pois, operou também em presença de seus discípulos muitos outros sinais, que não estão escritos neste livro”.
Este texto, certamente, nos está dizendo que houve outros sinais ou milagres realizados por Jesus Cristo, e que não estão registrados no Evangelho de João. Muitos destes sinais, provavelmente, foram registrados nos Evangelhos Sinóticos, que existiam bem antes de o Evangelho de João ter sido escrito. Porém, pode ter havido “outros sinais” que não foram registrados em livro algum. No entanto, se fosse assim, é estranho que não haja uma sugestão sequer, de onde se possa inferir que tais tradições foram confiadas aos apóstolos, para serem transmitidas às gerações seguintes, como pretende a Igreja Católica Romana. O texto seguinte diz: “Estes, porém, foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome”(João 20.31). Segundo esta passagem, o que foi registrado é suficiente para estabelecer o fato de que Jesus Cristo é o Filho de Deus, e, também, é suficiente para criar e estabelecer a fé que leve à vida eterna. Nenhuma tradição suplementar foi ou é necessária para isto.
Outras passagens citadas pela Igreja Católica são estas: “Então, irmãos, estai firmes e retende as tradições que vos foram ensinadas, seja por palavra, seja por epístola nossa” (II Tessalonicenses 2.15). “Mandamo-nos, porém, irmãos, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que vos aparteis de todo o irmão que anda desordenadamente, e não segundo a tradição que de nós recebeu” (II Tessalonicenses 3.6). “De fato eu vos louvo porque em tudo vos lembrais de mim, e retendes as tradições assim como vo-las entreguei”(I Coríntios 11.2). Temos aqui três referências às tradições, mas, estas três Epístolas foram escritas bem antes de o Cânon do Novo Testamento ser encerrado, naquele período em que os ensinos orais estavam sendo escritos para formarem o Novo Testamento. Elas foram escritas para ratificar o ensino oral já transmitidos às igrejas locais, pelos próprios apóstolos. Além disso, estes ensinos não eram suplementos adicionados à verdade escrita, incorporada nas Escrituras do Velho Testamento já em uso, e, portanto, não foram dados às igrejas locais para complementar o “sagrado depósito”, como ensina a Igreja Católica Romana.
Este conflito não existiria se a assim chamada “sagrada tradição” procedesse verdadeiramente da mesma fonte de onde procede a Revelação escrita, pois, segundo Tiago 1.17 “Toda a boa dádiva e todo o dom perfeito vem do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não há mudança nem sombra de variação”. Na II Carta de Paulo a Timóteo 3.15-16 lemos: “Toda a Escritura é divinamente inspirada, e proveitosa para ensinar, para redargüir, para corrigir, para instruir em justiça; para que o homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente instruído para toda a boa obra”. Ora, desde que as Sagradas Escrituras são úteis, não apenas para nos fazer sábios, mas, também, para nos aperfeiçoar, habilitando-nos para toda a boa obra, que necessidade temos nós de tradição oral para suplementá-la? Jesus apenas mencionou a tradição, para condená-la e para advertir contra a mesma: “Em vão, porém, me honram, ensinando doutrinas que são mandamentos de homens… Porque, deixando o mandamento de Deus, retendes a tradição dos homens… Bem invalidais o mandamento de Deus para guardardes a vossa tradição… Invalidando assim a palavra de Deus pela vossa tradição, que vós ordenastes” (Marcos 7.7, 8, 9, 13). “Por que transgredis vós, também, o mandamento de Deus pela vossa tradição? … E assim invalidastes, pela vossa tradição, o mandamento de Deus… Mas em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos dos homens” ( Mateus 15.3, 6, 9). Assim podemos verificar que o Senhor Jesus repreendeu os fariseus que faziam exatamente o que a Igreja Católica faz hoje, criando um compêndio de ensinamentos e preceitos humanos, tornando-os iguais ou até mesmo superiores à Palavra de Deus, pois ela mesma diz que “da Revelação não deriva a sua certeza a respeito de tudo o que foi revelado somente da Sagrada Escritura” [16]
Finalmente, afirmamos que existem inúmeras passagens das Escrituras Sagradas declarando a sua suficiente total: “Examinais as Escrituras, porque vós cuidais ter nelas a vida eterna, e são elas que de mim testificam” (João 5.39). “À lei e ao testemunho! Se eles não falarem segundo esta palavra, é porque não há luz neles” (Isaías 8.20). “A tua palavra é a verdade desde o princípio, e cada um dos teus juízos dura para sempre”(Salmo 119.160). “Para sempre, ó Senhor, a tua palavra permanece no céu” (Salmo 119.89). “Ora, estes de Beréia eram mais nobres que os de Tessalônica; pois receberam a palavra com toda a avidez, examinando as Escrituras todos os dias para ver se as cousas eram de fato assim”(Atos 17.11). A Palavra de Deus “permanece para sempre” (I Pedro 1.23,25). Ela “subsiste eternamente”( Isaías 40.8). Ela “é perfeita, e refrigera a alma”(Salmo 19.7). O próprio Senhor Jesus disse que ‘não se pode abolir a Escritura” (João 10.32).[17]
João, o vidente de Patmos, no livro de Apocalipse (1.3) enuncia uma gloriosa bênção sobre aqueles que lêem e ouvem e guardam as Escrituras: “Bem-aventurado aquele que lê, e os que ouvem as palavras desta profecia, e guardam as coisas que nela estão escritas; porque o tempo está próximo”. Mas também faz uma solene advertência contra aqueles que acrescentam ou retiram alguma coisa por sua livre recreação “desta profecia”: “Porque eu testifico a todo aquele que ouvir as palavras da profecia deste livro que, se alguém lhes acrescentar alguma coisa, Deus fará vir sobre ele as pragas que estão escritas neste livro; e, se alguém tirar quaisquer palavras do livro desta profecia, Deus tirará a sua parte do livro da vida, e da cidade santa, e das coisas que estão escritas neste livro” (Apocalipse 22.18-19). Portanto, os acréscimos que a Igreja Católica Romana fez e tem feito ao longo dos séculos, verdadeiramente anulam sim a suficiência total das Sagradas Escrituras!
Bibliografia:
Teologia Dogmática, 1,2,3 vol., Bernardo Bartmann, Ed. Paulinas, SP, 1964
A Fé da Igreja, 1 a 6 vol., Michael Schmaus, OFM., Ed. Vozes, Petrópolis, RJ, 1981
Chave para a Bíblia, Wilfrid J. Harrington, OP, Ed. Paulinas, SP, 1985
Bíblia, Palavra de Deus, Valério Mannucci, Ed. Paulinas, SP, 1996
Apontamentos de História Eclesiástica, D. Jaime de Barros Câmara, Ed. Vozes, Petrópolis, RJ,1942
O Ministério da Igreja, M. Teixeira-Penido, Ed. Vozes, Petrópolis, RJ, 1956
Catecismo da Igreja Católica, Eds. Vozes/Loyola, RJ,SP, 1996
Const. Dog. Sobre a Revelação Divina “Dei Verbum”, Ed. Paulinas, SP, 1966
Const. Dog.. sobre a Igreja “Lumen Gentium De Ecclesia”, Ed. Paulinas, 1977
A Fé Explicada, Leo J. These, Ed. Quadrante, SP, 1995
Documentos da Igreja, H. Bettenson, ASTE, SP, 1967
O Cristianismo Através do Século, Earle E. Cairns, Ed. Vida Nova, SP, 1999
História da Igreja Cristã, Robert Hastings Nichols, CEP, SP, 1981
Catolicismo Romano, Loraine Boettner, IBR, SP, 1985
O Catolicismo Romano, Adolfo Robleto, Juerp, RJ, 1977
Inovações do Romanismo, Carlos H. Collette, Ed. Parakletos, SP, 2001
Confissões Surpreendestes de um ex-Padre, do autor, ADSantos Ed., Curitiba,PR, 2002
Por Amor aos Católicos Romanos, Rick Jones, Chick Publ. USA, 1997
O Novo Comentário da Bíblia, Vol. III, v. auts., Ed. Vida Nova, SP, 1980
Bíblia Apologética, ICP Ed., SP, 2000
Bíblia Sagrada, Ed. Ave-Maria, SP, 1971
Bíblia Sagrada, SBB, Rev/Atual., DF, 1969
A Bíblia, Ed. Vozes/Santuário, RJ/SP, 1995
Concordância Bíblica Exaustiva, Thomas L. Gilmer, Ed. Vida, SP, 1999
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José Barbosa de Sena Neto
Pastor, membro da IB Ebenezer, Fort.CE (CIBUC),
ex-sacerdote católico romano, conferencista.