Ainda outra vez vem à baila a questão da alegada passividade do Vaticano perante o “crime do século”, ou seja: o Holocausto, perpetrado, durante a 2.ª Guerra Mundial, pelo governo do 3.º Reich, contra a população judaica da Europa submetida aos caprichos homicidas do psicopata e genocida Adolf Hitler, o “Führer” da Alemanha nazista.
Desta feita, a referida acusação, sempre minimizada, quando não constrangedoramente negada pela Santa Sé, avançou, ainda mais, na rota que conduz à verdade histórica, visto como agora encontrou guarida na publicação Civiltà Cattolica, editada, em Roma, pela Companhia de Jesus e sob a responsabilidade dos jesuítas, os quais se encontram na vanguarda da Igreja.
Pio XII, antes de ser o secretário de Estado de seu predecessor, substituindo o cardeal Pietro Gasparri, foi, durante muitos anos, núncio apostólico em Munique, capital da Baviera; depois, em Berlim. Nessas ocasiões, embaixador do papa, arcebispo Eugênio tornou-se notório por seu germanofilismo e pela repulsa manifestada com referência ao bolchevismo.
Compreendem-se ambos os fenômenos: admirador da ordem burguesa estabelecida, o núncio Pacelli sentia-se bem na ordeira Alemanha; ademais durante tentativa comunista de assaltar o poder em Munique hordas bolchevistas invadiram a Nunciatura, desrespeitaram as imunidades diplomáticas do futuro papa e por pouco deixaram de fuzilá-lo; de resto – mais do que a política -, a própria doutrina do Vaticano sempre combateu o comunismo ateu e adversário da religião.
Lembro, ademais, que durante a guerra era difícil a posição do papa e da Santa Sé, vivendo ambos em Roma, cidade ocupada pelas forças da “Wehrmacht” e pelos “SS”, estes últimos endoutrinados no ódio ao catolicismo; também, vítimas das confusas crenças pagãs da Alemanha medieval, as quais lhes haviam sido inculcadas pela ideologia fantasiosa de seu chefe, o patibular “SS Führer” Heinrich Himmler.
A perseguição nazista aos judeus não poderia ter sido ignorada pelo Vaticano, pois desenrolava-se abertamente, com a conivência do governo fascista, também nos bairros semitas da capital italiana, distante poucas centenas de metros da Praça de S. Pedro. Além do mais, o episcopado alemão, pelas vozes desassombradas do bispo de Münster, Clemens Graf von Galen, e de outros prelados, já havia denunciado o genocídio de hebreus. A Nunciatura em Berlim, entregue ao arcebispo D. Cesare Orsenigo agia da mesma sorte. Assim deve ser, para todo o sempre, afastada a tese, em voga no Vaticano nos primeiros anos do pós-guerra, de que o pontífice ignorava a “Endlosung”, ou seja, “a solução final” formulada na infame conferência do Wannsee, de 1938, quando o “Führer” ordenou aos “Einsaztgruppen” dos “SS” a fase executiva do conceito, já presente em seu mal escrito livro Mein Kampf. Conforme aquela confusa obra de ciência política, deveria ser definitivamente resolvido, através da deportação e da aplicação do monóxido de carbono, o problema judaico europeu.
A preocupação política predominante no pontificado (1939-1958) de Eugênio Pacelli foi a campanha antibolchevista; o comunismo russo era pelo pontífice havido como a maior ameaça tanto à Igreja Católica quanto ao bem-estar espiritual da humanidade, daí sua complacência com o nazismo, movimento tão perverso quanto o comunista, porém a única força organizada a opor-se ao avanço daquele na Europa Central.
Parece, igualmente, possível que a aversão papal ao comunismo derivasse da conjunção de tríplice fenômeno: a origem de Pacelli, vinculada à pequena nobreza romana, sua condição de católico tradicionalista, grupo que professa escassa simpatia pelos indigitados assassinos de Cristo – os doutores da Igreja, como S. João Crisóstomo, comparavam as sinagogas a bordéis; e, também, o fato de contarem-se muitos judeus dentre os principais teóricos do marxismo, a começar pelo próprio Karl Marx, inimigo declarado das crenças religiosas, apontado, de resto, como o autor da frase de que “a religião é o ópio do povo”. Daí a concordata, negociada em 1933, por Pacelli, concluída entre a Santa Sé e a Alemanha nazista ser considerada a obra-prima de sua carreira de diplomata da Igreja, da qual muito o então arcebispo Pacelli se orgulhava, pois garantia teoricamente a liberdade de culto aos 23 milhões de católicos germânicos e outorgava certificado de respeitabilidade ao Partido Nazista, detentor do poder em Berlim.
Como quer que seja, Pio XII falhou no exercício do magistério moral de que a Igreja Católica pretende possuir o monopólio. A Igreja Católica, sob seu pontificado, mesmo quando provocada pelo governo polonês no exílio londrino, omitiu-se na condenação do Holocausto, limitando-se a circunlóquios obscuros, que pouco ou nada significavam.
Por outro lado, cabe ressaltar que, caso houvesse condenado diretamente o Holocausto, que se inscrevia, com letras maiúsculas, na política oficial do 3.º Reich, Pio XII atrairia sobre a Igreja as iras de Adolf Hitler. Sem vocação de mártir, o papa Pacelli optou pela solução mais cômoda: o silêncio; dessarte o Pontífice salvou sua Igreja, porém arruinou sua biografia.
Fonte: Estadão 02/01/03
————————————————
Para saber mais sobre o Catolicismo – O CACP disponibiliza para você, por um preço especial, os seguintes produtos:
APOSTILA
-O Catolicismo: Você terá nessa apostilas a refutação de todos os dogmas do Catolicismo.