“Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem” (Romanos 12.21).
A força por trás de Harry Potter
Até o momento não conheço nenhum livro ou filme infanto-juvenil que tenha passado com tanta eficiência o conceito de “Deus” como uma “força energética” do que a série cinematográfica Star Wars (Guerra nas Estrelas).
Obiwan Kenobi, um guerreiro Jedi dos filmes Star Wars, é um perfeito porta-voz desta “força impessoal” quando define-a para o jovem Luke Skywalker:
A força é o que dá ao Jedi o seu poder. A força é um campo de energia criada por todas as coisas vivas: cerca-nos e penetra-nos. E une a galáxia. […] Precisa aprender como age a força. […] Aprenda sobre a força, Luke.
Do ponto de vista do cristianismo, é inconcebível pensar que esta “força impessoal” seja Deus. Na Bíblia Sagrada existem duas forças diametralmente opostas, uma do bem e outra do mal, atuando no Cosmo. Por outro lado, tanto na série Star Wars quanto na série Harry Potter a noção é puramente taoísta: existe apenas uma força que pode ser manipulada tanto para o bem como para o mal, portanto o bem e o mal viriam da mesma fonte, teriam uma só origem. A série Harry Potter ressalta o bem e o mal como se ambos fossem um.
Como disse Quirrell, o primeiro professor de Defesa Contra as Artes das Trevas de Harry Potter, possesso pelo mau Voldemort: “Não existe bem nem mal, só existe o poder”.[1]
Isso fica logo claro, ainda na primeira metade do primeiro livro da série. Harry Potter, sem saber, adquire uma varinha mágica semelhante à do seu rival Voldemort.
O senhor Olivaras, vendedor de varinhas mágicas, faz o seguinte comentário para Potter:
– Bravo! Mesmo, ah, muito bom. Ora, ora, ora… que curioso… curiosíssimo…
Repôs, a varinha de Harry na caixa e embrulhou-a em papel pardo, ainda resmungando:
– Curioso… curioso…
– O senhor me desculpe – disse Harry –, mas o que é curioso?
O Sr. Olivaras encarou Harry com aqueles olhos claros.
– Lembro-me de cada varinha que vendi, Sr. Potter. De cada uma. Acontece que a fênix cuja pena está na sua varinha produziu mais uma pena, apenas mais uma. É muito curioso que o senhor tenha sido destinado para esta varinha porque a irmã dela, ora, a irmã dela produziu a sua cicatriz.
Harry engoliu em seco.
– É, tinha trinta e quatro centímetros. Puxa. É realmente curioso como essas coisas acontecem. A varinha escolhe o bruxo, lembre-se… Acho que podemos esperar grandes feitos do senhor, Sr. Potter… Afinal, Aquele-Que-Não-Se-Deve-Nomear realizou grandes feitos, terríveis, sim, mas grandes.
Harry estremeceu. Não tinha certeza se gostava do Sr. Olivaras. Pagou sete galeões pela varinha e o Sr. Olivaras curvou-se à saída deles.[2]
O mais inquietante é que ficamos sabendo, no decorrer da série, que alguns dos poderes mágicos de Potter foram transferidos do temível Voldemort diretamente para o infante Harry, por ocasião da tentativa de matá-lo quando bebê. É como se a carga má de Voldemort tivesse sido drenada para Potter.
Até ao final do quarto livro da série, Harry Potter tem sido fiel ao lado bom da força (como aquela turma de Luke Skywalker em Star Wars) representada por Alvo Dumbledore.
A autora consciente ou inconscientemente transfere para o bruxo Dumbledore a figura de “Deus”. Dumbledore é antigo, todo-poderoso, sábio, calmo, seguro e piedoso, enfim, uma pessoa em quem Potter pode confiar. Os leitores também passam a respeitar e admirar o principal e mais experiente bruxo “bom” da série.
Ao final do segundo livro, Harry Potter e a Câmara Secreta, Potter foi salvo de um ataque do Lord Voldemort pelo fênix de Dumbledore. O fênix só ajudou Harry porque o menino tinha demonstrado uma “verdadeira lealdade” a Dumbledore.[3]
No terceiro livro, Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban, após tomar um tremendo susto com uma criatura estranha (“um dementador”), Potter sente-se calmo com a presença de Alvo Dumbledore.[4]
Os livros sugerem, a exemplo de algumas religiões pagãs orientais, que a única diferença entre o bem e o mal é apenas a direção em que você vai usar a força impessoal. Essa é uma cosmovisão de uma força dualística, contrária à Palavra de Deus.
A ética por trás da força
A ética por trás da força que age em Harry Potter é também herdada do taoísmo e já foi até assimilada pela Nova Era. Para os esotéricos, o conceito não é mais faça “isto ou aquilo”, mas faça “isto e aquilo”.
O mal deixou de ser considerado alguma coisa perversa (como, por exemplo, a nossa natureza pecaminosa a qual devemos detestar), mas simplesmente a outra metade do bem. Para os taoístas, nova erenses e bruxos de Harry Potter, o mal é apenas o complemento do bem. Ensinam que tudo no Cosmo é composto de opostos e a harmonia só existe se nutrirmos e convivermos com esta polaridade: luz e trevas, masculino e feminino, bem e mal e assim por diante.
O taoísmo afirma que todas as vidas interagem nestes dois opostos até finalmente se fundirem.
Isso cria uma ética relativa e muito flexível. Por exemplo, se a pessoa escolher ser homossexual, bissexual, monógama, polígama ou seja lá o que for, isso é OK, está tudo bem. Defendem a tese de que desde que você não machuque ninguém e esteja tudo bem com você, não há problema em praticar qualquer ato. Os nova erenses escolhem sua verdade, moral e sabedoria próprias. Os padrões morais absolutos e os princípios eternos de sabedoria revelados na Bíblia Sagrada são simplesmente jogados pela janela enquanto o homem senta-se no trono.
As mensagens atuais de muitos filmes e livros transmitem a doutrina de que “somos um com o universo” e de que “precisamos confiar na força”. Como afirma Tal Brooke, um apologista cristão, em seu livro One World:
A mensagem era ‘Ame aquilo que é estranho, quebre o convencional, ame aquilo que é inaceitável, monstruoso e até grotesco; e apenas aqueles que estão prontos podem experimentar tal amor cósmico.’ Como dizem os yogis indianos, ‘aprenda a amar – incluindo coisas que são feias ou que até pareçam más – vendo a união em todas as coisas, o divino em todas as coisas’. Assim, como foi dito a Luke Skywalker: ‘Solte-se. Confie na Força’.[5]
Por outro lado, a ética cristã é absoluta e inflexível. Deus é absoluto e incomparável: “Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor. Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força” (Deuteronômio 6.4-5). “Por isso, hoje saberás e refletirás no teu coração que só o Senhor é Deus em cima no céu e embaixo na terra; nenhum outro há” (Deuteronômio 4.39). Deus também não comunga com as trevas e n’Ele só existe luz: “Ora, a mensagem que, da parte dele, temos ouvido e vos anunciamos é esta: que Deus é luz, e não há nele treva nenhuma” (1 João 1.5).
Uma vez que a moral e a ética passam a ser relativas, a censura do comportamento humano e das nossas aspirações passa a ser frouxa. Conseqüentemente, Deus é destronado, os valores cristãos se perdem de vista, enquanto o princípio do prazer torna-se o mais alto valor na vida do ser humano.
A autoridade por trás da força
O escritor evangélico John Andrew Murray escreve no Citizen Magazine:
Fãs cristãos de Harry Potter insistem que a série não difere das Crônicas de Nárnia de C. S. Lewis, que muitos pais cristãos aceitam. …a diferença entre as duas reside no conceito de autoridade. Sob a perspectiva cristã, autoridade e força sobrenatural estão unidas.
Dê uma olhada em Marcos 2, quando Jesus cura o paralítico. Quando Jesus viu o paralítico, disse-lhe primeiro: “Filho, os teus pecados estão perdoados”. Esta afirmação resultou na seguinte cena:
“Mas alguns dos escribas estavam assentados ali e arrazoavam em seu coração: Por que fala ele deste modo? Isto é blasfêmia! Quem pode perdoar pecados, se não um que é Deus? E Jesus, percebendo logo por seu espírito que eles assim arrazoavam, disse-lhes: Por que arrazoais sobre estas coisas em vosso coração? Qual é mais fácil? Dizer ao paralítico: Estão perdoados os teus pecados, ou dizer: Levanta-te, toma o teu leito e anda? Ora, para que saibas que o Filho do homem tem sobre a terra autoridade para perdoar pecados – disse ao paralítico: Eu te mando: Levanta-te, toma o teu leito e vai para tua casa. Então, ele se levantou e, no mesmo instante, tomando o leito, retirou-se à vista de todos, a ponto de se admirarem todos e darem glória a Deus, dizendo: Jamais vimos coisa assim!” (Marcos 2.6-12).
A força, o poder de Cristo flui da Sua própria autoridade. Esta é a natureza de todo o poder legítimo – é concedido e guiado pela autoridade.
Quando lemos a série de Rowling, descobrimos que ela eficazmente divorcia o poder da autoridade. Não existe uma pessoa soberana ou um princípio governando o uso do sobrenatural.
Na série, os poderes mágicos são adquiridos como herança ou são aprendidos. Não são concedidos por uma autoridade superior, porque não existe uma Autoridade Superior – a não ser o mentor de Harry, Alvo Dumbledore e o mau Lord Voldemort. Os dois são iguais, antagônicos e misteriosos para serem uma autoridade superior. […]
A boa força é um poder que é entregue por Deus e exercitado de acordo com Sua vontade. […] A força má, por outro lado, é um poder que é confiscado ou enfeitiçado ou suplicado – em vez de entregue – e exercido para fins egoístas.[6] (itálico acrescentado pelo autor).
O poder descrito na série Harry Potter e o poder descrito na Bíblia são diferentes, opostos, como o norte e o sul, a luz e as trevas. Rowling convida seus leitores a descobrirem o poder da bruxaria, um poder único e “neutro”, onde a inteligência de cada um é que vai determinar se ele deve ser usado para o bem ou para o mal. Os escritores bíblicos convidam seus leitores a descobrirem dois poderes separados, sem qualquer comunhão entre eles – pois jogam em times diferentes! Na Bíblia, o poder divino é mais poderoso, sempre vencedor, celebrado, bondoso e cuidadoso. Já o poder maligno rouba, escraviza, engana, está vinculado à bruxaria (wicca) e mata. (Dr. Samuel Fernandes Magalhães Costa – http://www.chamada.com.br)
Notas
Rowling, J.K., Harry Potter e a Pedra Filosofal. Página 248.
Ibid. Páginas 77-78.
Rowling, J.K., Harry Potter e a Câmara Secreta. Editora Rocco Ltda. Rio de Janeiro, RJ, 2000, página 279.
Rowling, J.K., Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban. Página 79.
Brooke, Tal, One World. End Run Publishing. Berkeley, CA, setembro de 2000, página 54.
Artigo “The Trouble with Harry”, de John Andrew Murray. Citizen Magazine. http://www.family.org/cforum/citizenmag/coverstory/a0009406.html