Meu nome é HANA ELTRINGHAM WHITFIELD.
Fiquei em Scientology durante 19 anos, desde março de 1965 até agosto 1984. A maioria daquele anos, sobretudo os últimos 10, foram emotivamente, mentalmente e fisicamente traumáticos. Foi a experiência mais humilhante da minha vida inteira. Inclusive hoje, por causa do que eu vivi, tenho com frequência pesadelos, fortes dores de cabeça e estresse psíquicos.
Aproximei-me da Cientologia em março de 1965 em Joanesburgo, África do Sul. Tinha lido o livro de Hubbard “Dianetics: a Ciência Moderna da Saúde Mental”, e fiquei encantada com a sua promessa de ser a primeira verdadeira ciência da mente. No livro ele dá garantia que o ser humano pode livrar-se de todas as formas reativas e alcançar um estado ‘divino’ chamado “Clear”. Afirmava também ser possível ao homem ser completamente livre das doenças, infecções, dores e sofrimentos, pois gozaria de uma eterna saúde física, emotiva e mental. As promessas incluíam também um QI mais alto e muitas outras coisas.
No fim daquele ano encontrava-me na Inglaterra para aprofundar meus estudos em Cientologia.
Em 1967 fui convidada a juntar-me à elite de Cientologia por um projeto de Hubbard – o PROJETO DO MAR. Hubbard deu início a esta aventura sobretudo por dois motivos: fugir da lei e governar seu império internacional da Cientologia sem interferências.
Em outubro de 1967, Hubbard transformou seu Projeto do Mar em ORGANIZAÇÃO DO MAR (Sea Org), e quem era envolvido no projeto e desejava ficar tinha que assinar um contrato por um bilhão de anos de trabalho a serviço dele e de sua causa.
Os primeiros seis meses que estava a bordo da SY AVON RIVER (SY: vapor para navegação de rio – ndt) foram agradáveis e excitantes. Passei momentos de medo durante as freqüentes explosões de raiva psicótica de Hubbard, nas quais gritava e ameaçava a tripulação às vezes por horas inteiras sem parar. Chegando até, algumas vezes, a nos colocar de castigo de maneira brutal, motivado por erros ou desatenções.
Por exemplo, uma vez o 2° engenheiro, Terry Dickensen, um australiano alto e gentil, não instalou na ponte da Avon River uma rádio terra-navio Sharpes conforme o programa de Hubbard. A disposição Ética emitida por Hubbard foi a de proibir Terry de comer juntos aos tripulantes. Porém, o pior foi proibí-lo de dormir até o rádio chegar de New York, ser instalado e funcionar, não importando o tempo necessário para isso. Se por acaso ele dormisse, o castigo de não comer na companhia dos outros tripulantes seria para sempre e, além disso, teria que sempre dormir na ponte do navio sem travesseiro ou cobertor. Naquela época eu era o Oficial responsável pela moral e ética da tripulação, e por isso era meu dever fazer cumprir as ordens. Foram necessários 5 longos dias para a Sharpes chegar de New York. Durante todo o tempo Terry e eu não dormimos. Eu não dormi para ter certeza que ele não dormiria. Terry nunca conseguiu recuperar seu vigor depois daquela experiência, e logo depois abandonou a Organização do Mar; completamente destruído.
Logo depois, Hubbard me fez terminar um relacionamento com um membro da Organização do Mar (naquela época ainda não sabia que Hubbard costumava rodear-se de mulheres executivas e levava muito a mal se uma o abandonava para casar).
No início de 1968 foi entregue o “OT 3”. Este é um procedimento de assistência dos níveis superiores que é secreto e que afirma que milhares de almas de pessoas que morreram há 75 milhões de anos são “coladas” ao nosso corpo. Declararam que eu estava pronta para iniciar este nível logo depois que foi publicado. Lembro a minha surpresa quando pela primeira vez li o material e a história toda. Pensei que era uma brincadeira, ou uma invenção da imaginação em estilo de ficção científica de Hubbard. De qualquer maneira, eu li, reli e estudei cuidadosamente a história, e fiz todo o possível para “audir-me” e completar o curso. (Todas as reações adversas ao material cientológico são diligentemente explicadas. Hubbard afirma que as pessoas que não conseguem “audir” um nível tem problemas de drogas, precedentes ações de “auditing” não completadas, ligações com pessoas supressivas, crimes, ou uma quantidade de outros coisas). Mas enfim, consegui terminar o nível naquele mesmo ano, com isso propiciei a milhares de almas que viveram cerca 75 milhões de anos atrás, tornarem-se livres do meu corpo, permitindo-as encarnar e viver as suas vidas, por conta própria.
Levei muitos anos depois que me afastei de Cientologia para perceber como, na verdade, a Cientologia e seu “auditing” são uma terrível armadilha; e também para perceber que seus procedimentos utilizam técnicas para induzir estados de hipnose cada vez mais profundos, e tornar assim as pessoas “auditing-dependentes” que vivem apenas para a próxima sessão.
As vítimas da Cientologia que continuam vivendo nestes estados de consciência alterada, terminam sendo autômatos programados que gastam todo seu dinheiro, tempo e energias na Cientologia.
Mais tarde, em 1968, no porto de La Goluette, Tunísia, recebi a ordem de zarpar com a AVON RIVER rumo para Melilla, Marroco Espanhol. A AVON RIVER não era eficiente para a navegação no mar. Tinha um defeito na bomba da caldeira e sérios problemas no cilindro da alta pressão que dava pane continuamente.
Na qualidade de Capitão, relatei esses problemas a Hubbard. Impensadamente ele atribuiu à tripulação e à embarcação a “Condição de Perigo” (sendo o navio um perigo para navegação). Todos os tripulantes, inclusive eu, ficamos uma semana trabalhando sem parar e dormindo apenas 2 -3 horas por noite. Desarmamos e limpamos o condensador. Esvaziamos e limpamos a grande caldeira, os tubos do vapor que conectavam a caldeira com o motor principal e os tubos entre o motor e o condensador. Um trabalho enorme. Depois de 7 dias, um dos ajudantes de Hubbard ameaçou de tornar o castigo ainda mais severo se a embarcação não estivesse pronta para navegar num prazo de 24 horas. Para evitar outros castigos, mandei rearmar tudo rapidamente, nos cilindros foram instaladas velhas guarnições e assim foi possível para a AVON RIVER deixar La Goulette e a tripulação descansar um pouco.
Em março 1969 conferiram-me o encargo de Oficial Comandante na Organização Avançada de Los Angeles, e mais tarde, naquele mesmo ano, assumi o encargo de vice-almirante. Os dois cargos foram-me assinados por Hubbard. Era um trabalho estressante. Havia uma enorme quantidade de ordens que chegavam todos os dias do navio-almirante, tinham normalmente 10 – 15 ordens em contradição emitidos pelos ajudantes mais importantes de Hubbard. O pior era que cada ordem era para ser cumprida já, e assim era impossível qualquer coordenação.
Além dos problemas de administração, Hubbard mandou que eu retornasse ao “auding” do nível OT 3. Até o fim de 1970 me “audì” quase todos os dias. Meu estado mental, emotivo e físico começaram a piorar sempre mais.
Era como se a minha personalidade estivesse fragmentando-se, como se meu ser estivesse partindo-se em diversos “EUs”. Estava me sentindo sem energia, sem vontade e sem nenhum interesse. A única coisa que desejava era fugir, dormir e esquecer-me da Cientologia e da Organização do Mar. Estava muito preocupada com o que estava acontecendo, tinha muito medo. Embora eu explicasse tudo isso aos “Supervisores de Caso”, o único comentário que recebi era que tinha que agüentar. Nessa maneira continuei a acreditar que o tempo e a perseverança resolveriam as dificuldades. Logicamente isso não aconteceu. No fim de 1970 tornei-me um autômato sem vitalidade, emotivamente esgotada, e pensava apenas em guardar as energias para cumprir o trabalho.
Na volta ao navio-almirante no fim de 1970, tornei-me um dos muitos ajudantes executivos de Hubbard. Pelos anos que seguiram, continuei a lutar contra a fraqueza que estava sentindo dentro de mim, e tinha altos e baixos conforme à disposição de espírito de Hubbard comigo. Passei por um outro Comitê de Prova (tribunal interno de Cientologia), e Hubbard proibiu-me de assumir cargos executivos; mas isso também passou e antes de reparar já era a sua predileta.
No inicio de 1974, a bordo do almirante Apollo, Hubbard instituiu o Projeto da Força de Reabilitação – conhecido como “RPF” – o qual era destinado a quem, na imaginação de Hubbard, lhe era hostil (na realidade, quem não concordava com ele).
A RPF era um lugar, um grupo, no qual quem entrava tinha a possibilidade de reabilitar-se por meio da tecnologia desenvolvida por Hubbard. Na realidade era um campo de trabalho forçado no qual os membros viviam, comiam e trabalhavam em condições humilhantes e degradantes, onde estava firmemente proibido até conversar com quem não se encontrava na mesma condição. Ficavam completamente separados do resto da tripulação. Uma noite vi membros do RPF comendo com as mãos num balde de comida, como mendigos passando fome. Foi aí que comecei a ficar horrorizada com o RPF e a criar pavor por Hubbard e a organização.
Por volta do início da década 70, Hubbard conferiu pessoalmente meu auditing. Entrava em “session” cada dia. Gradualmente persuadi-me de que era por minha causa que o auditing não estava funcionando comigo, que eu mesma estava impossibilitando o resultado embora eu não soubesse como. Que fosse impossível para Hubbard errar, era um ponto fundamental e indiscutível de Cientologia, assim como a perfeição da tecnologia de “auditing” que ele descobriu, e que fosse o auditor a errar era muito improvável. A única causa possível por este fracasso tinha que ser eu.
Em 1974, no meio de um dos ciclos de auditing ordenados por Hubbard, apareceu uma pesada dor de cabeça. Apesar da utilização de todos os recursos, ela permaneceu o dia inteiro. Continuou, e continuou a semana toda, assim como a semana seguinte, e daí pela frente por mais 10 anos. Duas, três vezes por semana era tão forte que não tinha a possibilidade de trabalhar. A única maneira de agüentar aquela dor, intensa e latejante, era ficar sentada na minha cabina com o queixo encima dos joelhos e esperar 2 – 3 dias. Nessa maneira me tornei a cada dia mais paranóica em relação à minha “malvadez”, pois era impossível que a causa dessa dor fosse Hubbard ou a sua filosofia o a sua tecnologia. TINHA QUE SER EU. TINHA que ser uma coisa que eu fiz num momento qualquer do meu passado, ou algo de horrível e malvado que tinha dentro de mim e que ainda não tive a coragem de encarar. Hubbard mandou continuar o auditing, mas continuei escrava da dor de cabeça. As vezes era um pouco mais leve, as vezes mais pesado, mas nunca me deixou.
Desde o final de 1975 até março de 1982, morei e trabalhei no Fort Harrison Hotel, Clearwater, Flórida. Esta mudança aconteceu no final de 1975, quando a Organização do Mar mudou-se para o Fort Harrison Hotel, onde instalou o novo quartel-geral. Hubbard tinha dirigido toda a operação de mudança, inclusive a escolha dos nomes de fachada para a Cientologia. Fazendo com que esta pudesse mudar para Clearwater secretamente e sem problemas. O grupo de “inteligência particular”, que gerencia as operações secretas contra os críticos da Cientologia, tomou parte da operação de mudança.
Desde outubro de 1975 eu assumi variados encargos na FLAG, que é o nome do complexo de Organizações que se encontram no Fort Harrison Hotel e em outros edifícios ali por perto. Eu era uma oficial da FLAG Service Organization, que é a mais importante organização da Cientologia nos EUA.
Naquela época, como parte da equipe, as vezes tinha conhecimento das queixas públicas contra a Cientologia. Porém, encontrava-me completamente alheia às operações secretas do Guardian Office contra o prefeito de Clearwater (Senhor Gabriel Cazares); ou contra o cientologista Mike Meisner, assim como o fato da gerência da Cientologia estar discutindo o possível homicídio deste membro. Mike Meisner era integrante do Guardian Office, e o plano era de jogá-lo no mar com pedras amarradas nos pés para o impedir de revelar ao FBI as operações secretas do Guardian Office (dirigido pessoalmente por Hubbard) contra agências do governo dos EUA, inclusive a FDA (Food and Drug Administration, controla os remédios etc. – n.d.t.), o AMA (American Medical Association – n.d.t.) e outros; assim como revelar os nomes das pessoas infiltradas em muitas agências do governo, inclusive o Departamento da Justiça. Também não tinha conhecimento dos projeto e operações secretas que custaram à Cientologia 250.000 dólares, para comprometer o Juiz da Florida Richie, que naquela época presidia um processo contra a Cientologia. Felizmente, a operação do Guardian Office não deu certo.
Nos meus primeiros anos em Clearwater, eu estava ciente que Cientologia era profundamente depreciada pela opinião pública da cidade, as marchas de protestos na frente do Fort Harrison Hotel eram freqüentes. Os representantes do Guardian Office disseram-me, e disseram aos outros membros da equipe, que o rancor contra a Cientologia era fomentado por seus inimigos. Entre outros estavam: a CIA, o FBI e as instituições de Saúde Mental. Naquela época eu acreditava nestas informações, pois eram as únicas disponíveis. Todo a equipe estava proibida de ler jornais ou revistas, para que nós não conhecêssemos as críticas contra a Cientologia. Era proibido também assistir TV, e por isso não podia-se encontrar TV no Fort Harrison Hotel. Durante a minha permanência ali, minha saúde mental e emotiva continuou a piorar. Tinha que lutar para manter um aspecto “normal”. Eu continuava a trabalhar com toda minha capacidade.
Com frequência tinha que abandonar o trabalho por causa da dor insuportável. Comecei a pensar em suicídio, pois não enxergava outra saída para aquela situação e achava que a causa estava dentro de mim. Às vezes, quando a dor de cabeça era insuportável, pensava no modo como poderia me matar sem prejudicar a reputação de Cientologia. Naquela época ainda não fazia a menor idéia de como, por tantos anos, tinha sido tão enganada e explorada pela Cientologia e por Hubbard. Programei a destruição de todos os documentos que mostravam a minha ligação com Cientologia e suicidar-me longe de Clearwater. Falei disso com meus auditores e tentei continuar o dia a dia de maneira mais normal possível.
Depois, em 1978, tive que entrar no Projeto da Força de Reabilitação (RPF), ou seja: condenaram-me ao campo de trabalho forçado da Organização do Mar. Isso porque eu “tinha maus pensamentos” contra Hubbard e contra Organização do Mar. Foi um choque traumatizante que me devastou ainda mais. Fui levada para a área do RPF por dois homens altos, mais de 1.80, e grossos. Por cerca de 24 horas fiquei trancada num compartimento sem janelas. O tempo inteiro fui controlada, e eu fiquei deitada em de um colchão que estava no chão, sem lençóis, nem cobertor. Fiquei acordada a noite inteira, em estado de choque, as vezes chorando, as vezes completamente tonta, sem pensamento nenhum.
Estava sentindo um forte impulso de fugir, mas sabia que não podia fazê-lo, e que tinha finalmente que enfrentar a minha verdadeira personalidade e descobrir quanto eu era realmente malvada e ruim.
Estava sentindo-me partida em diferentes pessoas: uma era gentil, doce e profundamente traumatizada; a outra uma pessoa fria, calculista, e espantosamente perversa, cuja única finalidade era fazer o mal; e depois uma outra pessoa terrivelmente confusa que não sabia qual das outras duas era a verdadeira. Era como se a minha mente tivesse sida arrancada, não conseguia pensar. Atirei-me cegamente na rotina de dever sempre correr (os membros que se encontram no RPF não podem caminhar, devem sempre correr), de falar somente quando era interpelada, de sempre chamar a todos por “Senhor”, de cumprir tarefas humilhantes como limpar latrinas, de sempre vestir macacões velhos e sujos, de mostrar aos outros que ando sempre correndo no mormaço da Florida, suada, sem maquiagem, despenteada, fazendo trabalhos sujos e embaraçosos na frente das pessoas. E tudo isso sempre transtornada pela dor de cabeça.
Pedi para poder apresentar-me na frente de um Conselho de Revisão. O Conselho recusou-se a receber-me pessoalmente, sentenciou que foi justo me condenar ao RPF e ordenou-me de terminar o ciclo.
Os membros do RPF são completamente isolados do resto da equipe. Vivem, dormem e freqüentemente comem na garagem do Fort Harrison Hotel entre o gás de escape. São ruínas de ser humanos, que aqueles macacões sujos tornam ainda mais parecidos a despojos. As mulheres são proibidas até de pentear-se. No verão, que na Florida é terrivelmente quente e úmido, é proibido usar roupa leve: somente a pesada roupa de marinheiro.
Os membros do RPF devem correr continuamente. É firmemente proibido caminhar. Devem correr enquanto limpam banheiros e latrinas, enquanto colhem o lixo ou quando andam pelos 12 andares do Fort Harrison Hotel levando latas, coisas pesadas para a limpeza, ou até material de construção. É proibido a eles o uso do elevador.
Para que os inspetores da prefeitura ou da higiene pública não vejam as verdadeiras condições do RPF, os “RPFianos” são treinados a tornar seus dormitórios em algo que pareça um normal armazém, e tudo isso muito rapidamente. Muitas vezes esperei que uma autoridade aparecesse de repente para inspecionar as cozinhas, ou as garagens, ou as enfermarias do Fort Harrison Hotel, mas isso nunca aconteceu.
Esta é a vida real no RPF. Alguns entre nós dormiam sobre finos colchões deitados sobre o cimento do chão. Não havia onde botar a roupa, assim era preciso deixar todo nas malas e nas bolsas abandonadas no chão. Para ter um pouco de privacidade, lençóis eram pendurados entre os colchões.
Homens e mulheres tinham banheiros separados mas eram muito pequenos. Era proibido demorar na ducha mais de 30 segundos. Era o tempo apenas suficiente para entrar e molhar o corpo. Nenhuma folga era permitida para conversas ou relaxamento. Acordávamos no máximo às 6.30, tínhamos que cumprir pesados trabalhos, com frequência como pedreiros, e fazer as limpezas até noitecer. Depois da ducha de 30 segundos e a troca da roupa, devíamos audir-nos reciprocamente e “reabilitar-nos” até as 10.30 da noite ou mais. Não existem dias de folga, trabalhávamos sete dias por semana. Tínhamos que comer nas garagens, as vezes nos era permitido comer no refeitório, depois que todos os outros tinham saído. Nosso alimento era o que sobrava nos pratos do resto do staff. Somente em ocasiões especiais, como por exemplo no Natal, era-nos permitido fazer um pouco de comida. Isso caso se o que sobrasse não fosse considerado suficiente.
A disciplina no RPF é muito rígida e não tolerava a menor resistência de qualquer tipo. A menor infração era castigada na hora fazendo subir correndo inúmeros andares do prédio. A mais inocente infração merece uma pena firme e severa. Cada regra deve ser respeitada ao pé da letra, sem levar em conta sua certeza ou se naquela situação não fosse factível.
Por algumas infrações, o membro é condenado ao RPF do RPF, um lugar no compartimento das caldeiras nos subterrâneos do Fort Harrison Hotel, entre caldeiras e tubos ardentes, o dia inteiro estrondeando e soprando. O compartimento não tem iluminação suficiente e consta de pequenos espaços de interconecção nos quais, as vezes, era preciso arrastar-se para passar em baixo ou em cima enormes tubos ou caldeiras de três metros e meio de altura. Era um lugar escuro e abandonado, de certa forma assustador. Uma das minhas colegas foi levada ao RPF do RPF durante dois meses, e isso por ter recusado uma ordem do Guardiam Office de divulgar notícias confidenciais. Ficou trancada naquele lugar o tempo inteiro, com poucas possibilidades de tomar um banho e até de usar o banheiro. O tempo todo foi ameaçada e molestada verbalmente por seus superiores do RPF. Quando ressurgiu era uma pessoa quebrada, com a personalidade vencida. Silenciosa e rancorosa, logo conseguiu fugir do RPF e do Fort Harrison Hotel. Seu nome era Lynn Froyland.
Nunca mias tive notícias dela.
O RPF foi instituído com a finalidade de “reabilitar e redimir”. A intenção apresenta-se positiva, dedicada a ajudar o indivíduo quando ele mesmo não tem a possibilidade de ajudar-se. Na opinião de Hubbard, força, severidade e castigo são os elementos necessários para quebrar as reações e as emoções humanas, assim salvando a alma (o thetan). Eu acreditava em Hubbard. Mas estava experimentando aquela humilhação, aquela degradação e o absurdo do RPF. As teorias de Hubbard começaram a não fazer mais sentido para mim. Entrei num estado de profunda confusão e de instabilidade mental e emotiva que persistiu até que enfim me perdi!.
Num dos princípios fundamentais da Cientologia, Hubbard afirma que se alguém critica uma pessoa ou um grupo, significa que ele fez algo de ruim a esta pessoa ou grupo. Esta crença tem uma importância enorme na Cientologia, e deve ser firmemente respeitada. É comum que a equipe e o público, recebam auditings aprofundados, assim como “verificações de segurança” quando se descobre que disseram coisas, mesmo que leves críticas, contra Hubbard, a Cientologia, ou uma parte da organização. Esta prática funciona perfeitamente para bloquear a mente, e a única finalidade é reformar o pensamento do indivíduo e sua conduta, para torná-lo um escravo fiel e dócil. Não sabia tudo isso quando eu me encontrava no RPF, e se na época alguém tivesse me falado nisso, como qualquer cientologista, eu teria negado com firmeza.
Durante o tempo todo que fiquei no RPF eu me sentia cada vez mais degradada, inútil e tensa na tentativa de harmonizar a escravidão do RPF, seus aspectos abertamente anti-sociais e a finalidade da Cientologia – que é a de devolver ao homem sua completa liberdade. Me apliquei com todas minhas forças, nas horas do auditing, para descobrir as más e danosas ações que tinha cometido e que eram a origem de minhas penas e emoções negativas.
Por volta do fim de 1978 fugi. Afastei-me do RPF sem autorização e de avião fui na casa de amigos em New York, os quais me hospedaram. Num prazo de uma semana o senhor da Ética da FLAG, Tom Provenzano, conseguiu me localizar. Por telefone ameaçou declarar-me como “pessoa supressiva” e de querelar-me, ameaçou espionar e molestar minha vida inteira se eu não voltasse, na hora, para Clearwater. Entrei em colapso. Voltei a Clearwater e ao RPF, mas somente depois que Provenzano tivesse garantido que quando eu chegasse teria a possibilidade de conversar com ele sobre a minha entrada no RPF. Ele não cumpriu a promessa. Não suspeitava que a sua promessa era apenas um engano para fazer-me voltar. Quando fui de novo no RPF sucumbi completamente. Voltei de novo ao trabalho, a correr, suar e sofrer; sempre acompanhada pelas dores de cabeça.
Levei um ano para sair do RPF, tornando-me um autômato tranqüilo, humilde e obediente, mais dócil que nunca. A dor de cabeça era uma presença constante em minha vida. Naquela época a inquietação de ser uma pessoa malvada acalmou-se, mas nunca me abandonou. Procurava continuamente ganhar a estima dos meus superiores como maneira de sobreviver.
Recusei de assumir novamente encargos de gerência e finalmente permitiram-me voltar a audir os outros.
Fui um bom auditor por muitos anos. Em 1980, na Clearwater, ganhei o prêmio de “Auditor do Ano”.
A intensidade da dor de cabeça as vezes reduzia-se, as vezes tornava-se maior. As vezes eu recebia auditing para curar a dor, mas nunca vi uma melhoria importante. Continuaram também os pensamentos de suicídio. Estava desesperadamente precisando sair daquela situação. Estava querendo muito dormir, descansar, mas sobretudo sair daquele mundo louco. Porém, não tinha lugar onde abrigar-me, não tinha dinheiro para viajar à lugar nenhum, e nenhum lugar para alcançar. Minha família morava no outro lado do oceano. Não tinha como chegar até lá, e eles não tinham como ajudar-me. Se abandonasse o edifício seria declarada “pessoa supressiva”, e isso me fechava qualquer contato com os amigos cientologistas. Era uma estrangeira residente nos EUA, e não sabia como encontrar um trabalho. Estava sentindo-me presa numa situação sem saída.
Imprevisivelmente, em 1981 um velho amigo com o qual, em 1967, tive um caso, entrou em contato.
Depois de uns encontros pediu-me para casar com ele e aceitei. Foi aí que comecei a fazer projetos secretos de abandonar Fort Harrison Hotel e voltar a uma vida normal. Em março de 1982 finalmente eu fui, depois de um tormento de 3 meses feito de controles de segurança, gritos, ameaças. Depois que por 3 meses perguntaram-me gritando enquanto estava conectada ao “e-meter” (elementar máquina da verdade usada por Scientology- n.d.t.) se eu trabalhava com o FBI ou com a CIA, o Governo dos EUA, a máfia, o FDA, a AFF, serviços secretos, ou centenas de outros presumidos dissidentes da Cientologia. Acusaram-me furiosamente de ser paga por eles. Fui culpada enfurecidamente de estar em contato telefônico com eles. Eram todas falsidades. Com infinita tristeza escrevi qualquer ato ruim que conseguisse lembrar ter feito, e trabalhei por horas sem fim, de noite e de madrugada, noite depois noite durante uma semana “para compensar o imenso dano que tinha causado”. E escrevendo comecei a imaginar pecados sempre maiores e sérios numa nova tentativa de alcançar aquela parte má que estava dentro de mim. Nem isso deu certo.
Fui embora depois de ter reparado que estava cansada de tudo isso, e que ,nunca mais, seria submetida àqueles abusos terríveis, e que nunca mais aceitaria novamente aquelas ameaças que me fizeram verbalmente e por escrito na tentativa de “salvar a minha alma”. Ameaças de querelar-me, expulsar-me, declarar-me “pessoa supressiva”, que faleceria rápido, que seria processada por o Comitê de Prova (o tribunal particular da Cientologia -n.d.t.), que meu futuro seria trabalhar nas cozinhas, que seria assinada novamente ao RPF, que minha eternidade estava destruída, e que seria molestada a vida inteira.
Finalmente, por volta do fim de março de 1982, saí do Fort Harrison Hotel, com o eco dos gritos de ameaças que se misturavam com o ruído dos meus passos.
O casamento não deu certo. Meu esposo foi molestado e ameaçado pelos cientologistas de Clearwater e não agüentou tanta pressão. Terminamos sem brigas e rapidamente fui embora: sabia que tinha a possibilidade de continuar sozinha.
Tinha abandonado meu compromisso com Cientologia e a Companhia do Mar, mas ainda desejava ser uma boa cientologista, e por isso eu fiz um programa para ser aceita na Cientologia em boas condições. O programa consta de 5 pontos, que cumpri todos na maneira mais diligente possível. No fim de 1983 fui novamente aceita pela Cientologia e em 1984 trabalhei brevemente para a Sterling Management (um grupo de fachada, ou seja: uma empresa que nega ser ligada a Cientologia, mas tem como finalidade procurar novos adeptos para a seita – n.d.t.). Fiquei arrepiada quando reparei que estava envolvendo-me em situações parecidas com aquelas da FLAG, e assim, depois de ter cumprido minhas tarefas, fui embora.
No agosto de 1984 resolvi abandonar definitivamente a Cientologia, a melhor decisão da minha vida. Foi somente no fim de 1984 – início de 1985, que comecei a descobrir o lado obscuro da Cientologia e suas refinadas técnicas de controle mental praticadas com todos seus adeptos.
Agora, minha vida vale a pena ser vivida.
Eu fui uma daquelas que tiveram sorte.
Tradução: M. Martinelli
*Título original: Viver em Cientologia Hana Whitfield, cientologista durante 19 anos, vice de
L. Ron Hubbard nos EUA , conta a sua história.
Fonte: artigo colhido no site “Alarme Scientology”.