“Não refutarei apenas as acusações levantadas contra nós; farei com que elas se voltem contra seus próprios autores” (Tertuliano, 220 d.C)
“para que sejam um, como nós somos um…” (João 17.22)
Quando Jesus proferiu estas palavras, ele contava com apenas algumas dezenas de seguidores. Jesus deixou bem claro que uma das características pelas quais seus seguidores seriam conhecidos seria a unidade.
Passados quase dois mil anos empós estas palavras serem ditas, o cristianismo conta com cerca de 2,1 bilhões de adeptos, sendo que destes, 1 bilhão pertencem à comunhão Católica Romana.
Diante desta enorme grei de fiéis, o catolicismo se ufana em ser a única igreja verdadeira e um dos motivos invocados para sustentar tal alegação é sua suposta unidade.
Por vezes as igrejas evangélicas são estereotipadas como instáveis, dividindo-se, constantemente, em novas denominações, cada qual com suas doutrinas, disciplinas e costumes. Eles mostram o contraste com a igreja católica, a qual é retratada como sendo sólida e unificada.
Apontam ainda o credo Niceno que reza “Creio na Igreja, Una…”, para daí tirarem a conclusão de que as igrejas evangélicas não fazem parte da verdadeira Igreja de Cristo. Somente a Igreja Católica é Una!
Entretanto, cabe aqui algumas perguntas oportunas, qual seja: a suposta unidade do catolicismo é sinal de ortodoxia? Existe base lógica para condenar a diversidade nas igrejas evangélicas como sinal de heresia? Até que ponto essa unidade alegada pelo catolicismo é verdadeira? É realmente tão grave esta diversidade no protestantismo a ponto de não nos enquadrarmos na perícope de João 17.22? E a igreja cristã, sempre teve essa unidade que reivindica o catolicismo?
Estas e outras questões serão claramente respondidas no desenrolar deste artigo. Veremos que a falsa imagem das divisões protestante e a descrição da unidade católica apontada pelo romanismo não passam de exageros.
DIVERSIDADE NA UNIDADE
Diversidade Eclesiástica
O padre Alberto Luiz Gambarini (críticando às igrejas protestantes), afirma que Pedro é o sinal visível da unidade da igreja. Conseqüentemente, a garantia para a unidade da igreja repousa na sucessão apostólica chegando ao papa atual. [1] O papa, portanto, é o sinal da unidade no catolicismo. Isso também aparece de forma explícita no Catecismo Romano. [2]
Contudo, convém esclarecer que ao contrário do que afirma a Igreja Católica, o cristianismo primitivo não estava dividido hierarquicamente. Ademais, é um fato incontestável que não houve episcopado monárquico no primeiro século. As igrejas eram governadas por colegiados de bispos ou presbíteros que eram termos usados de modo intercambiável (ver Atos 20.17 e 28; Tito 1.5 e 7). O teólogo católico José Comblin, é concorde em dizer que: “No meio deles, Pedro tem um papel de porta-voz.”, entretanto, alerta: “Mas ele não é como o superior. São todos iguais.(ênfase acrescentada). Afirma ainda que nas primeiras comunidades cristãs não havia hierarquia, pois todos estavam unidos no colegiado apostólico e “cada igreja agia de modo independente” [3]
Um bom exemplo disso podemos ver na carta que Inácio enviou à Igreja de Roma, no começo do segundo século, onde diz : “Inácio… à Igreja que preside na região dos romanos…” (Inácio de Antioquia, 107 d.C, Carta aos Romanos [Prólogo]). (ênfase nossa)
Deste prólogo se depreende que cada igreja tinha a sua jurisdição limitada ao seu território ou região. Possuía autonomia eclesiástica. Definitivamente o Novo Testamento não apóia o arquétipo eclesiástico de uma única igreja, mas de igrejas distintas e independentes. Por outro lado, todas elas, apesar desta diversidade, formavam a única igreja de Cristo.
As igrejas de Corinto, Éfeso, Roma e as demais eram todas igrejas autônomas governadas pelos líderes locais. A unidade das igrejas apostólicas repousava no amor fraternal entre si e na doutrina dos apóstolos; Jesus era o único cabeça da Igreja. Quando Cristo ordena João escrever às 7 igrejas da Ásia, não as colocam sobre a jurisdição eclesiástica de nenhum apóstolo em particular a não ser dEle mesmo.
Diversidade nos Costumes
Podemos através do livro de Atos e de algumas epístolas paulinas formar um perfil, ainda que imperfeito, da igreja apostólica.
Existia não pouca diversidade entre elas sobre questões de disciplina e costumes. A adoração espontânea na igreja de Corinto estava em nítido contraste com a das igrejas palestinas que baseavam sua adoração no modelo da sinagoga judaica. Por exemplo, enquanto na Igreja de Corinto foi aconselhado o uso do véu, este mesmo uso não foi seguido por nenhuma outra. As pesquisas no N.T apontam duas tendências dentro da igreja cristã: uma judaica e outra helenista (grega); por causa dessa diversidade começou haver divergências entre seus membros (Atos 6). O concílio de Jerusalém deixou claro que nenhum costume judaico seria imposto nas igrejas gentias, enquanto os cristãos judaicos poderiam livremente praticar os costumes de sua nação, como se abster de certos alimentos, guardar dias, participar de festas, ir ao templo etc…
Ao entrar o segundo e terceiro séculos essas diversidades não acabaram, pelo contrário, aumentaram. Quem nos faz saber isso são os historiadores eclesiásticos Eusébio de Cesaréia (c.265-340) e posteriormente Sócrates (c.379-450) e Sozomen (c.375-447). Eles apontam grandes diferenças quanto à celebração da páscoa, jejuns, casamento e outros costumes seguidos pelas igrejas do oriente e ocidente. A divergência entre as várias igrejas é sinal de que o cristianismo primitivo era diversificado. O já citado padre comblim afirma que ainda pelo ano 150 “cada Igreja segue o seu desenvolvimento próprio. Daí, uma notável variedade nas fórmulas de fé, na liturgia e na organização.” [4]
De fato, havia unidade mais que uniformidade.
Diversidades de Crenças
Também a diversidade de crenças era um fato constante entre o cristianismo primitivo. Convém salientar que o pilar onde se apóia a unidade doutrinária do catolicismo é a chamada “tradição”; ela é a mãe de todas as doutrinas extrabíblicas desta igreja. Os apologistas católicos afirmam que sua igreja possui unidade doutrinária por se basear na fé comum dos pais da igreja. Dizem que as doutrinas sustentadas hoje por eles sempre foram a mesma da igreja primitiva dada e sustentada pelo consenso dos pais primitivos. Contudo, o ex-padre Aníbal P. Reis, diz que a assertiva da cúria papal de que havia unanimidade e consenso de opinião entre os pais da igreja, tornou-se um tanto utópica, quando se “constatou, porém, que só numa coisa eles concordavam: – é que discordavam em tudo.” [5]
E realmente era assim, muitos pais da igreja sustentavam opiniões divergentes entre si, não havia essa alegada uniformidade doutrinária como quer passar o catolicismo. Observe algumas doutrinas em que eles divergiam:Batismo Infantil
Tertuliano (contra)
Orígenes (a favor)
Imaculada Conceição de Maria
Anselmo, São Bernardo, papa leão I, papa Gregório, Inocêncio III (contra)
Ireneu, Santo Efrém (a favor)
Virgindade Perpétua de Maria
Tertuliano, Hegesipo, Ireneu, Eusébio (contra)
Jerônimo, Orígenes, Epifânio (a favor)
Pedro é a pedra da Igreja – Mt. 16.18
Dos 77 pais que comentaram este verso apenas 17 opinaram que se refere a Pedro.
Agostinho um dos grandes vultos católicos era contra a interpretação sustentada hoje pelo catolicismo.
Junta-se a isto as questões sobre os livros Apócrifos, o dia da comemoração da páscoa, o celibato, eucaristia e outras doutrinas que eram arduamente defendidas por uns e com o mesmo zelo repudiadas por outros vultos da igreja. O que é sustentado hoje pelo catolicismo como sinal de sua unidade doutrinária eram idéias praticamente esfaceladas nos primeiros séculos da era cristã.
DIVISÕES NA HISTÓRIA DA IGREJA
As divisões na história da igreja foram muitas. Mas apenas três merecem nossa atenção:
No século V houve a separação das igrejas da Síria e do Egito;
No século XI houve o grande cisma entre as Igrejas do Oriente e do ocidente;
No século XVI houve a Reforma Protestante liderada por Martinho Lutero.
Após a Reforma as igrejas protestantes se subdividiram em muitas. David Barret, em sua “Enciclopédia das Religiões”, registra a existência de 30.880 (trinta mil oitocentos e oitenta) denominações cristãs.
Contudo essa cifra é veementemente contestada pelo apologista protestante Dr. Eric Svendsen em seu livro “Sobre Esta Rocha Escorregadia” (Calvary Press, 2002), onde numa pesquisa minuciosa reduz para menos de 10.000 esse número.
Por exemplo, algumas são variações das mesmas denominações, a lista de Barret apresentava várias espécies diferentes de igrejas batistas, presbiterianas, luteranas etc…Mas eram apenas igrejas da mesma denominação com a mesma doutrina. Uma comparação similar pode-se ver na natureza: existe uma enorme diversidade entre os felinos, cães e peixes, mas todos sendo cada qual da mesma espécie e não de espécies diferentes. Há por exemplo, dentro da família dos felinos os tigres, as onças, os leões e os gatos. Ainda dentro do grupo dos gatos existem os subgrupos ou raças, os siameses, angorás etc…
Os apologistas católicos agem como se as diferenças entre as igrejas protestantes fossem tão grandes, como as diferenças entre gatos e cavalos, e entre pássaros e cães. Na realidade, elas são como as diferenças entre os diferentes tipos de gatos “siamês” ou de “angorá” (ou seja, pequenas variações em coisas que são essencialmente as mesmas, fato este já notado em toda a história da igreja como mostramos acima).
Razões das divisões dentro do protestantismo
Nossos antagonistas gostam de jogar em rosto a desagregação protestante, apontando que ela é fruto do “livre exame da Bíblia” ensinado por Lutero. Contudo esta acusação leviana desconsidera vários aspectos dentro do contexto histórico protestante. Muitos católicos pensam que o protestantismo foi fundado por Martinho Lutero e daí se fragmentou. Mas o caso é que a reforma iniciou praticamente na mesma época em vários lugares diferentes por líderes diferentes que às vezes nem ao menos se conheciam. Martinho Lutero na Alemanha, Zuinglio na Suíça, Calvino na França e Henrique VIII na Inglaterra é um exemplo disso. Há uma diversidade de fatores que poderíamos citar como explicação para este fenômeno, contudo, creio que a principal se encontra na liberdade de expressão, de culto e consciência defendida pelos reformadores. É sabido que o catolicismo na idade média erigiu uma verdadeira ditadura religiosa. Ninguém podia discordar das doutrinas católicas, caso contrário, sofreria as conseqüências nos tribunais da Inquisição. Assim o medo se espalhou por toda a idade média. Muitos foram mortos devido a esta nefanda política religiosa sustentada por Roma de proibir a liberdade religiosa. A unidade era imposta pelo terror!
Contra a liberdade de Consciência se levantou o papa Gregório XVI em sua Carta encíclica “Mirari Vos” promulgada em 15 de agosto de 1832. Dizia ele sobre a liberdade de consciência:
“Este erro corrupto abre alas, escudado na imoderada liberdade de opiniões que, para confusão das coisas sagradas e civis, se estendo por toda parte, chegando a imprudência de alguém se asseverar que dela resulta grande proveito para a causa da religião.” Também na mesma carta ele condena a liberdade de imprensa.
Não podemos descartar que a virtude da liberdade está dentro da própria filosofia protestante, talvez isto explique um pouco essa diversidade dentro do universo protestante. Seja como for, não há de se negar o fato de que é repugnante e inadmissível à qualquer espírito religioso sustentar a unidade às escoras da censura. Os papas deveriam saber que não se pode curar a dor de cabeça cortando fora o pescoço!
Outrossim, o fato de que a verdade não pode coexistir com o erro é outro fator preponderante na questão.
O catolicismo nos acusa de termos separado da igreja romana onde supõe estar o verdadeiro vínculo da unidade, a comunhão com o sucessor de Pedro – o bispo romano. Porém, o que ocorreu, é que Roma, e não nós, que se separou da verdadeira doutrina bíblica e apostólica. Ela tem sido a maior causadora de schisma [divisões] nestes 15 séculos de cristianismo. Por isso o mandamento é apartar daqueles que não andam conforme a doutrina (Romanos 16.17). “Porventura andarão dois juntos, se não estiverem de acordo?” (Amós 3:3).
A unidade básica entre os protestantes
Existem algumas crenças que definem o Cristianismo. Estas incluem algumas doutrinas que consideramos essenciais como a hamartiologia (doutrina sobre o pecado), a soteriologia (doutrina da salvação), cristologia (doutrina sobre Cristo) teologia (doutrina sobre Deus), a pneumatologia (a doutrina sobre o Espírito Santo). Dependendo de como a pessoa encara alguns assuntos doutrinários tais como Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem, a morte vicária de Cristo, a salvação através da fé, a ressurreição de Jesus e a nossa, a autoridade única das Escrituras, a mediação única de Cristo, o Inferno de fogo; fornece o parâmetro para aferirmos se uma pessoa é Cristã ou não. Estes itens não são negociáveis. Qualquer pessoa que não acreditar neles não é cristã.
Por outro lado, algumas coisas são negociáveis. Estas incluem assuntos como o batismo, o tipo de música na adoração, a forma da estrutura e organização da igreja, a definição da relação entre o livre arbítrio e a predestinação, a escatologia. Estes itens são importantes. Contudo, não determinam se uma pessoa é ou não é cristã. São áreas em que os cristãos podem concordar ou não (Romanos 14).
As diferenças entre os protestantes genuínos ocorrem na segunda área, nos itens negociáveis.
Os primeiros Credos cristãos como o credo dos Apóstolos e os Credos Nicenos também fornecem uma base para o protestantismo atual, pois neles está a fórmula de fé professada pelas igrejas primitivas. Muitas crenças abordadas pelo catolicismo atual não encontram guarida nestes credos. Contudo, o credo obedecido hoje pelas igrejas protestantes é concorde com aqueles. Em outras palavras: pode haver união em tudo o que é mais importante, embora haja diferença em alguns pontos secundários.
Unidade ou uniformidade?
A falta de uniformidade no universo protestante não prejudica sua unidade. É uma unidade no Espírito, pois é a vontade de Deus para seu povo (Efésios 4.3 – João 17. 11,20,21).
Assim, a verdadeira igreja de Cristo é invisível e espiritual composta de todas as demais igrejas visíveis pelo vínculo da paz (Hebreus 12.23).
Contudo essa unidade não implica em uniformidade total. É um fato independente da diversidade exterior. A igreja é comparada a um corpo diversificado (I Coríntios 12.13-26) com diversos ministérios e dons; é a diversidade na unidade.
Um bom testemunho disso tem sido a “Marcha para Jesus”, um evento que é realizado no mundo todo e tem tido um crescimento vertiginoso a cada ano. Essa manifestação que inclui centenas de denominações evangélicas é um fato incontestável do que estamos falando. [6]
Todavia, essa unidade é mediante a fé. Deve haver não só unidade espiritual, mas também unidade bíblico-doutrinária; e isso, com exceção das falsas igrejas (seitas), as igrejas evangélicas possuem de fato.
Por isso o catolicismo labora em grave erro ao definir o termo “unidade” de forma particular.
A DIVERSIDADE DENTRO DO CATOLICISMO
John Ankerberg e John Weldon distinguiram nove categorias de grupos católico romano no mundo inteiro. Dos quais destacamos os principais. Todavia, alertam que “As diferenças entre as mesmas não são claras, porque se sobrepõe ou se fundem entre si”. Ei-las:
Catolicismo nominal ou social: o catolicismo romano da maioria não comprometida, aqueles que talvez nasceram ou se casaram na Igreja, mas têm pouco conhecimento da teologia e que são, na prática, católicos somente de nome.
Catolicismo Sincretista ou eclético: o catolicismo que está misturado ou foi absorvido, em diferentes graus, pela religião pagã da cultura nativa em que ele existe [como, por exemplo, no México, Brasil – Bahia] .
Catolicismo tradicional ou ortodoxo: o ramo poderoso e conservador do catolicismo romano que sustenta as doutrinas históricas da Igreja, tais como as que foram reafirmadas no Concílio de Trento no século XVI.
Catolicismo moderado: o catolicismo romano do Vaticano II, o qual não é completamente tradicional nem inteiramente liberal.
Catolicismo modernista ou liberal: o catolicismo romano “progressista”, posterior ao Vaticano II, que rejeita até certo ponto a doutrina tradicional. [7]
Essa diversidade dentro do catolicismo pode até ser negada, porém não mais escondida. Numa entrevista que o historiador católico John Cornwell, autor do polêmico livro “O papa de Hitler” concedeu à revista “Isto É” ele deixou bem claro essa questão quando falou sobre a árdua tarefa que o próximo papa terá de enfrentar.
“Ele terá de se esforçar para amolecer as facções em conflito até que a Igreja possa chegar a um novo concílio, ou pelo menos a uma reunião dos bispos do mundo, que decida as atuais disputas, como afirmo em Quebra da fé.” [8]
Sublinha-se ainda que esta confissão não é caso isolado, mas uma constante cada vez mais presente dentro do novo perfil católico. Veja esse depoimento logo abaixo que colhemos em um site católico de tendência conservadora:
“Recentemente um médico amigo meu contou-me que, no hospital em que trabalha, algumas enfermeiras lhe perguntaram qual era a sua religião. Ele respondeu com ufania: “Sou Católico Apostólico Romano”. E elas, então, como se não entendessem, lhe disseram: “Mas católico… de que tipo?”.
E a pergunta deixava clara a tragédia causada pelo Vaticano II: depois desse Concílio surgiram tantas divisões entre os católicos, nasceram tantos tipos diferentes e tantos modos diversos de ser católico, que a definição normal já não diz nada para as pessoas comuns. Ficou necessário acrescentar um outro adjetivo à expressão da única religião e da única fé verdadeiras. E o acréscimo necessário para se definir qual a religião católica que se tem, demonstra que se perdeu a unidade da Fé.” [9]
A aparência de unidade entre os católicos é mal conduzida. Na realidade, existem diferenças importantes em sua teologia e prática. Vou discutir apenas algumas delas, como exemplo. O livro mais recente de Malachi Martin (padre católico, teólogo e professor, residente no Vaticano e confessor do papa João XXIII), “Windswept House” (A Casa Em Desordem) trata de algumas outras diferenças. Embora seja uma novela, ele trata de assuntos da vida real.
Os protestantes que têm diferenças nas crenças e nas práticas identificam-se por nomes diferentes. Reconhecem publicamente suas diferenças. Contudo, os católicos que têm diferenças nas práticas e nas crenças, continuam se chamando pelo mesmo nome (católicos romanos), afirmando que o papa é o seu líder. Isso dá uma falsa impressão de unidade.
Apesar de afirmarem verbalmente que o papa é o seu líder, existem padres e teólogos católicos que desafiam, publicamente, a autoridade do papa. Malachi Martin fala de alguns destes em seu livro “The Jesuits:The Society of Jesus and the Betrayal of the Roman Catholic Church” (Os Jesuítas: A Sociedade de Jesus e a Traição à Igreja Católica Romana). Também existem as freiras feministas que desafiam publicamente o papa.
Um grupo ultraconservador conhecido como “True Cahtolic” (Católicos Verdadeiros) acredita que João Paulo II não é um papa legítimo, porque ele tem promovido a “heresia” (o que contraria a doutrina católica, a qual foi declarada “infalivelmente” pelos papas que o antecederam). Eles crêem que, em razão disso, a cadeira papal ficou vaga. E para sanar esta situação, elegeram um outro papa.
Como veremos, alguns padres e freiras católicos ensinam coisas totalmente contrárias à doutrina católica. Contudo ainda lhes permitem ensinar em nome da ICR, mantendo posições de influência e autoridade. [10]
Como se já não bastasse por volta de 1945 o catolicismo se dividiu mais uma vez. Estamos falando da criação da Igreja Católica Apostólica Brasileira fundada pelo ex-bispo católico romano Dom Carlos Duarte Costa. Fora esta existe ainda a Igreja Católica Liberal e outras.
Diversidade de ritos, regras e fórmulas
Muitos desconhecem que a diversidade de igrejas que comporta hoje o catolicismo romano é cada vez maior. Trata-se de igrejas cismáticas ou até mesmo consideradas heréticas que voltaram ao seio da igreja romana, mas que ainda permaneceram com seus ritos e fórmulas de fé variados. [11] Ao se submeteram à autoridade do papa, a qual é considerada a pedra de toque da verdadeira unidade passam a ser consideradas parte da igreja católica romana. A título de ilustração, temos as mais diferentes igrejas com uma enorme e complexa diversidade de ritos dentro da Igreja Católica que se proclama “Una”.
Por exemplo, alguns da Igreja Nestoriana voltaram para o seio da igreja romana, mas conservando o rito caldeu e malabar. [12]
Parte dos Jacobitas, ou monofisitas sírios, voltaram ao catolicismo, mas voltaram com seu rito próprio, formando o chamado rito siríaco puro.
Já os melquitas se separaram do catolicismo em 1054, seguindo as demais igrejas de rito bizantino. No entanto, em 1724 o novo Patriarca Melquita de Antioquia decidiu voltar ao Catolicismo. E voltou, formando o rito Melquita.
Fora estes ainda existe os de ritos maronitas, o Ambrosiano, existente só na cidade de Milão, o Ítalo-Greco, que é rezado em latim ou italiano, mas seu ritual é bizantino. Nasceu da parte sul da Itália, que sempre teve forte influência bizantina e finalmente o moçárabe, existente na Espanha, e rezado em árabe.
Todas elas realizam de modos diferentes, com cerimônias diferentes e em línguas diferentes seu culto. A eucaristia é celebrada numa diversidade assombrosa. Uma diversidade que nunca se viu entre as igrejas evangélicas.
Além destas diferentes igrejas, que comporta o catolicismo debaixo de seu lábaro papal, ainda temos as mais variadas ordens dentro do catolicismo romano tais como os Jesuítas, dominicanos, carmelitas, franciscanos, agostinianos, marianos e outras mais, com uma rica diversidade de regras de vida, ritos, fórmulas, festas, deveres religiosos, dias santos, práticas e pontos de vistas diferentes. É notória a diferença destas ordens entre si, muitas vezes com uma rivalidade vituperiosa, a ponto de chegarem a se digladiar por pontos periféricos de disciplina. Um exemplo prático disso foram as constantes disputas entre jesuítas e dominicanos e entre estes e os franciscanos.
Diferença aparente ou real?
Os católicos levantam a acusação de que existem muitas igrejas protestantes diferentes umas das outras, na liturgia e disciplina, por isso não há unidade, conseqüentemente não poderia ser a igreja verdadeira que Cristo deixou. Apesar de os católicos alardearem de que conservam a mais perfeita união, contudo, não há assunto divergente dentro das igrejas evangélicas que não o seja também entre os romanistas.
Muitos ficaram surpresos quando Mel Gibson revelou que estava construindo uma igreja para ele mesmo, apelidada pela mídia de San Mel. Mas não se trata de uma nova seita, e sim de um outro tipo de catolicismo que a maioria dos católicos desconhecem. Gibson segue a linha conservadora do catolicismo oposta ao Vaticano II, por isso as missas na igreja de Gibson serão rezadas em latim, fiel ao rito tridentino. [13]
Este é apenas um exemplo da divisão dentro do catolicismo que os teólogos católicos não querem admitir, mas que é fato notório. As igrejas que voltaram à comunhão católica, mencionadas acima, tem a total liberdade de praticar liturgias diferentes, e ter idéias diferentes em relação a pontos periféricos de doutrinas contanto que se submetam à sede papal.
Indubitavelmente, nem a diversidade e muito menos a unidade católica é substancialmente diferente da nossa. Pondere por um instante sobre a diferença que há entre o protestantismo tradicional e o pentecostal, porventura não seria a mesma que há entre o catolicismo tradicional e o carismático?
Ainda dentro da Renovação Carismática podemos distinguir dois grupos, os de tendência pentecostal e os notadamente de raízes católicas [14]
Uma diferença que poderíamos mencionar aqui também é quanto à conservação de alguns artefatos religiosos como o crucifixo que perduraram nas igrejas luteranas e anglicanas, mas que estão ausentes nas demais igrejas evangélicas.
Não consta o mesmo entre as igrejas católicas dos países latinos que geralmente são repletas de imagens, mas que estão praticamente ausentes entre os católicos norte-americanos?
É digno de nota que enquanto os católicos brasileiros se dobram perante pedaços de ossos e panos antigos qualificados como relíquias, os católicos ingleses repudiam tal prática. Pergunto: onde está a tão famigerada unidade apregoada pelo catolicismo? Na prática, simplesmente, ela não existe!
Todavia, alguém poderia objetar dizendo que as diferenças se concentram apenas no campo das disciplinas, mas nunca no da fé ou doutrina.
Mais uma vez esta objeção falha por não corresponder aos fatos. E para surpresa e decepção de nossos antagonistas, divergências doutrinárias sempre estiveram presentes dentro do catolicismo romano, ainda que de modo camuflado.
Diz certa obra católica que “O longo pontificado de Pio VI foi marcado por profundas divergências no campo doutrinal”. Ainda essa mesma obra afirma que o papa João Paulo II foi atacado por um padre de uma ordem rival ligado a uma corrente contrária a reforma do Concílio Vaticano II em uma de suas viagens à Fátima. [15] Os “Flagelantes” foi duramente combatido pelo papa Alexandre IV que os considerou heréticos. Eles faziam parte do grande movimento do “pauperismo”, que foi uma reação contra a vida de enriquecimento do clero na idade média. Francisco de Assis sairá deste movimento para fundar sua ordem que depois também iria se subdividir. Outra questão de divisão foi quanto ao “conciliarismo”, teoria que prevaleceu por algum tempo, a qual pretendia a superioridade do Concílio sobre o papa. O papa Martinho V chegou a se submeter a esta doutrina.[16]
Considere mais alguns exemplos:
Na época em que foi proposto o dogma da infalibilidade papal houve não pouca divergência entre os líderes católicos de diversos países. Sinal que não havia nenhum consenso doutrinário ainda entre eles. Assim também foi em relação aos livros apócrifos dogmatizados no concílio de Trento e com o dogma da “Imaculada Conceição” de Maria. Sempre havia disputas teológicas em cima destes pontos considerados essenciais para a fé católica atual. É sabido que quanto a este último houve uma acerada disputa entre os franciscanos e dominicanos se vilipendiando mutuamente.
Ora, a mesma controvérsia doutrinária que houve entre Jesuítas e Jansenitas não foi a mesma que houve entre Calvinistas e armenianos a respeito da predestinação?
Hoje em dia existem os teólogos católicos que pregam a teologia da libertação cujo evangelho difundido por eles é contextualizado com ideais socialistas. Um dos representantes mais proeminentes desta corrente aqui no Brasil é o frei Leonardo Boff que não poupa críticas quanto a postura da igreja católica frente ao evangelho socialista apregoado por esta corrente doutrinária.
Sem falar nos polêmicos padres parapsicólogos que além de ir contra muitas doutrinas da igreja católica, chegam até mesmo a desmentir a própria Bíblia Sagrada. O mais popular deles aqui no Brasil, o jesuíta Oscar G. Quevedo, foi até proibido pelo Vaticano de pregar suas teorias, pois colidia com os ensinos da igreja. [17]
Outra: enquanto, algumas paróquias católicas realizam a festa de “santo reis” perpetuando a crença nessa religião popular, ela é repudiada por tantos outros dessa mesma igreja. Aliás, nunca foi oficializada pelo papa.
Enquanto a igreja católica do México sanciona tradições religiões bárbaras como as auto-flagelações e auto-crucificações com o fito de apagar os pecados dos fiéis, isto é altamente repudiado pela igreja católica brasileira.
Poderíamos aumentar essa lista com mais exemplos, como o do teólogo católico alemão Eugen Drewermann, crítico ferrenho do Vaticano, mas por enquanto ficamos somente com estes. Contudo, já deu para perceber que a suposta unidade católica rui por terra ante a verdade dos fatos. Ela não funciona na prática… Qual a verdade dos fatos?
Depois de tudo que foi exposto acima concluímos que a igreja romana não tem envergadura moral e menos razão do que qualquer outra da cristandade para acusar às outras igrejas de suas diferenças e divisões. [18] É hipocrisia apelar para a diversidade das outras, acusando-as de falta de unidade enquanto tolera estas mesmas diferenças em seu próprio seio debaixo de eufemismos terminológicos.
A verdade é esta: os católicos têm suas divergências e diferenças, mas não admitem, pois concordam em submete-las todas à decisão da sede papal, que é para eles o centro da unidade.; os evangélicos têm também as suas, mas submetem-nas todas ao único líder – Jesus – cuja autoridade das Escrituras, compõe o centro dessa unidade.
Quanto às diferenças entre as igrejas evangélicas, não passam de meras diferenças na forma de seu culto. São coisas que não afetam os principais artigos de fé de nossas igrejas. Estas e outras são os únicos ou principais pontos de divergências que existem entre os evangélicos. Importante ressaltar que quando falamos em artigos de fé estamos nos reportando aos nossos credos. Assim as igrejas evangélicas ou protestantes seguem na mesma linha reta em relação ao que crêem. É claro que pode haver diferença a respeito da aplicação de algumas palavras, mas todas estão de acordo no principal. É só comparar os credos das várias denominações protestantes entre si.
Quanto aos pontos de disciplina é difícil determinar em qual das igrejas há maior divergência! [19]
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Notas bibliográficas
[1] Ganbarine, Alberto Luiz, Quem Fundou a sua Igreja? Itapecirica da Serra: Ágape pp. 21-25.
[2] “O Novo Catecismo”, São Paulo: Ed. Herder, 1969, pp.424-26. Obs: Curiosamente o “Catecismo da Igreja Católica” – edição revisada de acordo com o texto oficial em latim. São Paulo: Ed. Loyola, 1999, pp.233-36, quando toca na questão da unidade da Igreja, não enfatiza tanto a figura do papa. Influências do ecumenismo?!
[3] Comblin, José, A Hierarquia – curso popular de história da igreja. São Paulo: Ed. Paulus 1993 2ª ed. pp. 18,19.
[4] Ibid., p. 20.
[5] Reis, Aníbal Pereira dos, O Vaticano e a Bíblia, São Paulo: Ed. Caminho de Damasco, 1969 p.58.
[6] Segundo o site oficial, a “Marcha para Jesus” reuniu em 2004 só na cidade de São Paulo, mais de dois mil evangélicos de centenas de denominações. Site: http://www.marchaparajesus.com.br/
[7] Ankerberg, John e Weldon, John, Os Fatos sobre o Catolicismo Romano, Porto Alegre Obra Missionária Chamada da Meia-Noite 1997 pp. 19-20.
[8] Op. Cit., edição de 09/08/2002, sob o título “É Preciso Unir a Igreja”.
[9] http://www.montfort.org.br/index.html
[10] Citado no livro “O Espírito do Catolicismo”, da ex-freira Mary Ann Collins, traduzido por Mary Schultze, versão on-line. Este livro está disponível no site www.cacp.app.br.
[11] Os católicos costumam distinguir entre heréticos e cismáticos. Herético é aquele que ensina doutrinas errôneas, seria o apóstata. Já o cismático é aquele que apesar de estar no cisma com o catolicismo, não ensina, todavia, erros doutrinários. Obs: Enquanto o Concílio de Trento considerou os protestantes heréticos, o Vaticano II revogou esse termo para um menos ofensivo de “irmãos separados”.
[12] O site desta igreja: http://www.chaldeansonline.net/.
[13] http://noticias.terra.com.br/mundo/interna/0%2C%2COI273197-EI312%2C00.html.
[14] Miranda, D.Antonio Afonso de, O que é preciso saber sobre a Renovação Carismática. Aparecida–SP, Ed. Santuário, p. 58.
[15] Pintonello, Aquiles, Os Papas. São Paulo: Ed. Paulinas 1986 2ª edição, pp. 140-98.
[16] Ibid pp.55-85
[17] Aquino, Felipe Rinaldo Queiros de, Falsas Doutrinas – Seitas & Religiões. Lorena: Ed. Cléofas 2002, p.47.
[18] Entre os anos de 50 e 60 houve grandes disputas entre as facções católicas aqui no Brasil, especialmente em Belo Horizonte como mostra a “Revista de História Regional” sob um enfoque sociológico. O trabalho na íntegra pode ser visto no site http://www.rhr.uepg.br/v3n1/matta.htm#34. Outra opção para quem queira se aprofundar no assunto é ler o livro de Arnaldo Lemos Filho, “Os Catolicismos Brasileiros” da editora Alínea, onde mostra os diferentes tipos de catolicismos existentes no Brasil.
[19] Seymour, M.H, Noite com os Romanistas – Coleção Vaticano II. Ourinhos: Edições Cristãs 1998.
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