“Mas de ambos os lados estou em aperto, tendo desejo de partir e estar com Cristo, porque isto é ainda muito melhor” (Fp 1.23).
No primeiro capítulo da sua carta aos Filipenses, Paulo, de uma forma até um tanto dramática, deixa claro aos seus leitores o quanto ele os amava e, ao mesmo tempo, de forma inequívoca, deixa transparecer a sua certeza de fé e segurança da salvação em Cristo Jesus. Mas o ponto alto e mais interessante da sua fala, objeto da nossa reflexão, está no versículo 23, quando ele expressa o seu “desejo de partir para “estar com Cristo”, o que ele, assim como nós que temos a mesma esperança, achava ser “muito melhor”. Mas, na verdade, o que significa “partir e estar com Cristo”? Ora, se não há imortalidade da alma, como podemos entender essa expressão de Paulo: “partir e estar com Cristo”, uma vez que, de acordo com os aniquilacionistas, o homem deixa de existir por ocasião da morte? Será que Paulo, ao contrário do que pensam os adventistas do sétimo dia, estava expressando a sua firme convicção de que, ao partir deste mundo, em decorrência da morte física, a sua alma entraria no estado de bem-aventurança no céu onde está Cristo, nosso Senhor? Ou para ele esse estar com Cristo tinha a ver com o futuro, quando do retorno glorioso do Senhor Jesus Cristo para ressuscitar os mortos e transformar os que estiverem vivos?
Na tentativa de solucionar essa questão, os adventistas do sétimo dia, bem como os demais aniquilacionistas, têm proposto que esse desejo de Paulo nada tinha a ver com o fato de ele morrer e sua alma estar num estado de bem-aventurança com Cristo, (pois eles não acreditam que a alma seja uma entidade imaterial que sobrevive à morte do corpo), mas, sim, que esse seu anelo se projetava para o futuro glorioso da igreja, por ocasião da vinda do Senhor Jesus Cristo, que irá arrebatá-lo e levá-lo aos céus.
Partindo dessa premissa, iremos estudar esse texto à luz do contexto e tentar descobrir o que Paulo, realmente, quis dizer com a expressão: “Partir e estar com Cristo” em Filipenses 1.23.
Paulo diz claramente que tinha o desejo de partir e estar com Cristo porque reputava isso como algo muito melhor do que estar vivendo a vida na carne. No conceito paulino, a morte não era o fim. Ele cria piamente que, com a morte do corpo, a sua alma ou o seu espirito estaria imediatamente com o Senhor, num estado de bem-aventurança, assim como ele foi e teve um pequeno vislumbre da glória que nos espera, por ocasião do seu arrebatamento, como ele escreveu aos cristãos de Corinto, na sua segunda carta:
“Em verdade que não convém gloriar-me; mas passarei as visões e revelações do Senhor. Conheço um homem em Cristo que, há catorze anos (se no corpo, não sei; se fora do corpo, não sei; Deus o sabe), foi arrebatado até ao terceiro céu. E sei que o tal homem (se no corpo, não sei; se fora do corpo, não sei; Deus o sabe), foi arrebatado ao Paraíso e ouviu palavras inefáveis, de que ao homem não é licito falar (2Co 12.1-4).
Esse pensamento paulino acerca do que ocorre com os salvos por ocasião da morte, na verdade, era também o pensamento de Jesus (Mt 27.50-, Lc 23.43,46; Jo 19.30) e o de Estêvão (At 7.59).
Não obstante, há alguns que, tirando o texto fora do contexto, procuram por todos os meios dar um significado diferente a essa verdade insofismável da Palavra de Deus, defendida por Jesus, por Paulo e por Estêvão, dizendo que: “Paulo, na verdade, tinha desejo de partir e estar com Cristo somente no dia da ressurreição dos mortos, por ocasião do arrebatamento da igreja”. Sobre isso, os teólogos adventistas do sétimo dia, cm uma referência a Filipenses 1.23, na nota de rodapé da Bíblia de Estudo Andrews, fazem o seguinte comentário:
“Esse versículo não ensina que Paulo esperava ir para o céu quando morresse. Ele deixou bem claro que só receberia sua recompensa na segunda vinda (2Tm 4.8)”.
E para corroborar a sua suposição, citam o texto de 2Timóteo 4.8, onde o apóstolo Paulo diz: “Desde agora, a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, justo juiz, me dará naquele dia” (2Tm 6.8).
Neste texto (2Tm 4.8), eles procuram enfatizar a expressão: “naquele dia”, usando-a fora de contexto para dizer que o “desejo de estar com Cristo”, apresentado por Paulo, em Filipenses 1.23, nada tem a ver com a sua morte física e a entrada da sua alma no paraíso, mas com a sua ressurreição por ocasião da vinda de Jesus em glória. Mas isso é forçar uma interpretação usando um texto que expressa uma verdade para tentar interpretar outro que apresenta outra verdade. Não há como interpretar a passagem de Filipenses 1.23 com a passagem de 2 Timóteo 4.8. Pois Filipenses 1.23 está falando de uma situação imediata, de um desejo para aquele momento, enquanto 2Timõtco 4-8 realmente projeta o seu desejo de receber o galardão ou o prêmio dado aos vencedores para o porvir, “naquele dia”. Pois, ao estudarmos a passagem de 2Timóteo 4.6- 8, veremos que Paulo não está dizendo que a sua partida deste mundo, com corpo glorificado, estava próxima, mas, sim, a sua morte física. Pois ele, de acordo com a história e o contexto de 2Timóteo 4, estava prestes a ser julgado, condenado à morte por ordem do imperador. Mas mesmo morrendo ou sendo martirizado, ele tinha a certeza de que a sua alma adentraria as mansões celestiais e, por ocasião da vinda de Jesus, em glória, ele iria receber a recompensa, o galardão pela sua obra quando, então, o seu corpo glorificado irá se unir à sua alma (ITs 4.14) para estar com Cristo eternamente. Logo, o seu desejo de partir e estar com Cristo, conforme ele expressou em Filipenses 1.23, tem a ver com a sua morte, seu desejo de sair deste mundo, a fim de que, com a sua morte, que ele julgava estar perto de acontecer, a sua alma entrasse no estado de bem- aventurança, nas regiões celestiais, no paraíso. A Bíblia de Estudo Andrews, ao comentar Filipenses 1.23, concorda que o verbo, “partir” usado por Paulo, nesta passagem, tem a ver com a sua morte física. Pois assim ela comenta esse verbo:
“Partir. Dos labores; morrer” (Bíblia de Estudo Andrews, p. 1545 – Ed. CPB, 2015).
Quanto à expressão “naquele dia”, em 2 Timóteo 4.8, nada tem a ver com a sua partida deste mundo por ocasião da sua morte, mas com o prêmio que os salvos irão receber, após o retorno glorioso de Jesus, lá no céu. O prêmio ou o galardão, realmente, é só naquele dia, isto é, na vinda de Jesus, mas o seu desejo de partir e estar com Cristo (Fp 1.23), ou seja, de sair fisicamente deste mundo e sua alma entrar no paraíso, era para aquele momento em que ele estava falando. É justamente isso que acontece quando partimos desta vida, o nosso corpo vai para o pó, mas a nossa alma vai para o paraíso, para o lugar de bem-aventurança (Lc 16.19-26). Portanto, em 2Timóteo 4.6-8 e Filipenses 1.23, Paulo não está insinuando que a sua partida deste mundo, com corpo glorificado, estava próxima, mas, sim, a sua morte física. Tanto o seu “desejo de partir” quanto “o tempo da sua partida” estão ligados à sua morte física, que era mais do que prevista. Pois, de acordo com o contexto, ele estava preso e estava prestes a ser martirizado por ordem de Nero, de acordo com a História. Logo, ele está falando tanto em Filipenses 1.23, como em 2Timóteo 4.6-8, que com a morte do seu corpo a sua alma estaria com o Senhor. Portanto, o desejo de estar com Cristo era por ocasião da sua morte iminente, mas o recebimento da coroa ou recompensa, somente na volta de Jesus.
———–
LIVRO: PERGUNTAS DIFÍCEIS DE RESPONDER, ELIAS SOARES DE MORAES