Vivemos num mundo violento. Essa é hoje a maior preocupação da sociedade, que todos os dias abre os jornais, ou ouve os noticiários da TV, perplexa com o número de assassinatos, sequestros, espancamentos e assaltos que crescem numa proporção nunca vista antes. Uma reação comum ao clima violento, ao medo e à reclusão. Tornamo-nos pessoas mais precavidas, receosas e desconfiadas. Nossos lares deixam de ser lugares acolhedores, para se transformar em verdadeiras fortalezas, com guardas e sistemas sofisticados de segurança para manter afastados todos os suspeitos e estranhos.
Foi-se o tempo em que parávamos o carro para dar carona a um estranho, ou abrir a porta de casa para dar alimento a algum pedinte. Temos medo. São tantas as histórias de assaltos e violência, de abusos e maus tratos, que o único lugar seguro é aquele que nos coloca longe das pessoas, principalmente dos estranhos. O mundo vem deixando de ser o nosso habitat natural para ser um lugar hostil. Nossa sociedade está cada vez mais impregnada do medo e da ansiedade, num estado permanente de vigia, suspeitando que, a qualquer momento, alguém vai aparecer e complicar nossa vida.
A igreja, o lugar da comunhão por excelência, vem também se transformando num lugar hostil. Há o medo de se expor, de não ser compreendido, de ser explorado ou agredido emocionalmente. Participamos, porém com reservas. Não nos damos por inteiro; há sempre algum aproveitador à espreita, esperando a oportunidade para abusar ou ferir.
No entanto, o chamado para a vida cristã é um chamado a comunhão. A conversão é o movimento que nos leva da hostilidade à hospitalidade, criando o espaço necessário para a manifestação do amor de Deus. Hospitalidade significa, primeiramente, criar um espaço onde as pessoas possam entrar para se tornar amigas, em vez de estranhas. É o ambiente de que necessitamos para experimentar a possibilidade da transformação. Num mundo hostil, nos fechamos em nós mesmos, tornamo-nos egoístas, convivemos com iguais e não cultivamos o espaço para a hospitalidade. Ser um bom hospedeiro não significa trazer pessoas para o nosso lado para pensar o que pensamos, e gostar do que gostamos; antes significa criar um espaço de liberdade onde possam encontrar seu caminho e sua vocação.
A hospitalidade implica criar os espaços vazios para abrigar os outros. Isso não é fácil. Num mundo hostil, competitivo, violento e cheio de desconfianças, não sobra muito espaço vazio para os outros, para o estranho. Contudo, a Bíblia nos chama a atenção para o fato de que o acolhimento de pessoas estranhas, embora traga consigo seus riscos, sempre fez parte da revelação de Deus e de seus propósitos para os homens.
Em Gênesis 18.1-16, encontramos a história de três homens estranhos que apareceram num dia ensolarado na porta da tenda de Abraão. Ele os recebeu, preparou comida e o ambiente para ouvir deles a boa nova de que Sara, mesmo velha, teria o filho que por tantos anos desejou. Era o próprio Senhor que visitava Abraão, cujo coração hospitaleiro abriu espaço para aqueles três estranhos, e recebeu de Deus o cumprimento da promessa.
Em 1Reis 17.9-24, lemos a história da visita de Elias à casa da viúva de Sarepta. Era uma mulher pobre, que preparava a última refeição para si e seu filho, para depois esperar a morte. Elias chega e pede água e, logo depois, um pouco de comida. Ela recebe o homem de Deus, oferece a ele abrigo e comida, e recebe dele azeite e farinha, e por fim a ressurreição do seu filho, que morreu depois de uma enfermidade grave. Havia um espaço no coração daquela viúva para um estranho, um lugar para hospedar um viajante cansado. Em resposta à sua hospitalidade, ela recebe a promessa de Deus.
Encontramos também os discípulos de Emaús, em Lucas 24.13-35, que viajavam tristes por causa da morte do seu Mestre e Senhor. De repente, encontram um estranho que os acompanha na jornada e ouve deles o lamento e a desesperança. Quando chegam em casa, o convidam para entrar, comer e descansar. E, ao partir o pão, ele revela-se como o Senhor e o Salvador ressurreto, trazendo a boa nova de paz e esperança, de mais uma promessa cumprida. Quando a hostilidade se transforma em hospitalidade, e estranhos são acolhidos e transformados em hóspedes, podemos experimentar a alegria.
Somente quando percebemos que nossas experiências não podem servir de critério para julgar os outros é que abrimos nosso coração para receber o próximo.
O autor da carta aos Hebreus nos adverte dizendo: “Não negligencieis a hospitalidade, pois alguns, praticando-a, sem o saber, acolheram anjos”. Ele sabia que a forma escolhida por Deus para falar conosco e nos revelar suas promessas é, muitas vezes, através de homens-anjos ou anjos-homens. Fechar as portas à hospitalidade é privar-se da companhia dos anjos do Senhor.
Ser um bom hospedeiro não é apenas receber bem os outros em nossas casas. É abrir o coração para acolher o estranho e permitir que ele encontre ali o ambiente adequado para experimentar a transformação e o crescimento. Isso significa que não basta apenas ser receptivo, agradável e caloroso, também é preciso confrontar e provocar. Qualquer hóspede só se sente seguro se as fronteiras forem bem delimitadas. Não seremos jamais bons hospedeiros se entregarmos a casa aos hóspedes para que façam o que lhes interessam. O amigo é aquele que recebe e também confronta.
Recentemente, assisti ao filme Gênio Indomável, que conta a história de um gênio e sua relação com um psicólogo. Um dos momentos críticos desta relação é quando o psicólogo pergunta ao gênio se ele tinha algum amigo. Sua resposta foi óbvia, tinha vários, amigos de farras e brigas. Então o psicólogo perguntou: “Quero saber se você tem um amigo de alma, alguém que o confronte.” A resposta não era mais tão óbvia, faltava-lhe alguém que o acolhesse, que o tratasse com receptividade e confrontação, alguém que fosse hospitaleiro. Henry Nouwen nos fala da pobreza de espínto como elemento indispensável para abrir o caminho para a hospitalidade. Ele menciona dois tipos de pobreza. O primeiro é a pobreza de mente. Para ele, é impossível encontrar espaço e sentir-se hóspede de alguém que está sempre convencido de tudo, que tem respostas para tudo, cuja mente está completamente tomada de ideias, conceitos, opiniões e convicções, sem nenhum espaço para ouvir, nenhuma abertura para descobrir o dom do outro. Para ele, pobreza de mente é uma atitude espiritual que nos torna capazes de reconhecer a incompreensibílidade do mistério da vida. A segunda pobreza, necessária para a hospitalidade é a pobreza do coração. É impossível criar espaço e sentir-se hóspede de alguém que está com o coração cheio de preconceitos, ciúmes e medos.
É muito comum, entre nós, encontrar pessoas que tiveram uma experiência com Deus de forma tão dramática e profunda, que muitas vezes não reconhecem que os caminhos de Deus nem sempre obedecem a uma regra inflexível. Para Nouwen, Deus não pode ser identificado com nossas experiências e sentimentos, nem mesmo com as emoções do nosso coração. Deus não é nossas boas inclinações, nosso fervor, nossa generosidade ou nosso amor. Todas estas experiências do coração podem nos lembrar da presença de Deus, mas a sua ausência não prova a ausência de Deus.
Deus não é apenas maior que nossa mente, mas também maior que nosso coração. Da mesma forma que devemos evitar a tentação de adaptar Deus aos nossos conceitos limitados, devemos também evitar adaptá-lo aos nossos sentimentos também limitados. Somente quando somos capazes de perceber, que nossas limitadas experiências não podem servir de critério para avaliar nem julgar os outros, é que abrimos nosso coração e nossa mente para receber o próximo. Percebemos que a vida é maior do que a nossa própria vida, que a história é maior do que a nossa própria história, que a experiência é maior do que a nossa própria experiência, e que Deus é maior do que imaginamos. É com este tipo de pobreza que podemos receber a experiência e a vida do outro como um dom de Deus.
A hospitalidade é uma graça que o Espínto Santo nos concede num mundo cheio de hostilidade e desconfianças, e que nos ensina a nos abrir para Deus e para o outro, acolhendo os estranhos do nosso caminho para experimentar com eles as promessas de Deus.
Pr. Ricardo Barbosa de Sousa
IP do Planalto, Brasília/DF
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