Estes versículos da parábola de Jesus são usados pela Sociedade Torre de Vigia com mais freqüência do que quaisquer outros, para manter um controle apertado sobre as Testemunhas de Jeová: “Quem é realmente o escravo fiel e discreto a quem o seu amo designou sobre os seus domésticos, para dar-lhes o seu alimento no tempo apropriado? Feliz aquele escravo, se o seu amo, ao chegar, o achar fazendo assim! Deveras, eu vos digo: Ele o designará sobre todos os seus bens.” (Mateus 24:45-47 – TNM)
É nossa intenção mostrar neste artigo que a Sociedade Torre de Vigia tem usado estes versículos da parábola para extrair deles um sentido profético incorreto e completamente injustificado. (A Sentinela, 1.º de setembro de 1981, p. 24; The Watchtower, 15 de julho de 1960, p. 462; Aproximou-se o Reino de Deus de Mil Anos, 1975, p. 350)
O “Escravo” era todo o corpo de Cristo
Até 1895, a Sociedade Torre de Vigia ensinou que o “Escravo” era todo o corpo de Cristo. (Zion’s Watch Tower, novembro de 1881, p. 291; janeiro de 1890, p. 1171; 1.º de abril de 1895, p. 1797).
Russell era o “Escravo”!
Mas em breve, em 1896, eles mudaram de idéias e um indivíduo, Charles T. Russell, foi escolhido como “Escravo”. Acontecia que Russell também era quem mandava na Sociedade Torre de Vigia.
Comentadores bíblicos, fora da Sociedade Torre de Vigia, entendem esta passagem como uma parábola, que Jesus deu para encorajar cada um dos seus seguidores individuais a ser um servo fiel e sábio, em vez de um escravo mau. Jesus não estava dando aqui uma profecia como a Sociedade Torre de Vigia defende. Em apoio disso, Jesus continuou, dizendo nos versículos seguintes: 48 “Mas, se é que aquele escravo mau disser no seu coração: ‘Meu amo demora’, 49 e principiar a espancar os seus co-escravos, e a comer e beber com os beberrões inveterados, 50 o amo daquele escravo virá num dia em que não espera e numa hora que não sabe, 51 e o punirá com a maior severidade e lhe determinará a sua parte com os hipócritas. Ali é onde haverá o [seu] choro e o ranger de [seus] dentes.” (Mateus 24:48-51)
Porém, Russell converteu esta admoestação numa designação pessoal dele próprio como o “Escravo Fiel e Sábio” — o porta-voz de Deus para a Humanidade! Entre 1896 e 1927, a Sociedade Torre de Vigia ensinou que Russell era aquele Servo (ou Escravo). (Zion’s Watch Tower, 1.º de março de 1896, p. 1946; Studies in the Scriptures, vol. 1, edições de 1924-1927, p. 7; vol. 4, p. 613; vol. 7, p. 3, 5, 418, 422; The Watch Tower, 1.º de março de 1917, p. 6049; Harp of God, 1921, p. 229).
Russell não era o “Escravo”!
Rutherford, o segundo presidente da Sociedade Torre de Vigia, mudou essa crença em 1927 e afirmou que a designação do escravo aplicava-se, não a um indivíduo — Russell — mas sim à organização Sociedade Torre de Vigia. Foi também publicitado falsamente que Russell nunca afirmara ser esse “Escravo” (The Watch Tower, 15 de fevereiro de 1927, p. 56; Aproximou-se o Reino de Deus de Mil Anos, 1975, p. 346). No entanto, como os críticos expuseram esta mentira da Sociedade Torre de Vigia, eles fizeram uma admissão parcial no seu último livro de história, Testemunhas de Jeová — Proclamadores do Reino de Deus (1993), dizendo: “O conceito que ela [a esposa de Russell] expressara sobre a identidade do ‘servo fiel’ chegou a ser sustentado de modo geral pelos Estudantes da Bíblia por uns 30 anos.” (p. 143) O livro na mesma página também lança as culpas sobre a esposa de Russell, Maria, por ter ensinado que Russell era aquele “Servo”. Os escritores do livro Proclamadores estão a fingir que desconhecem a Watch Tower de 1.º de março de 1917, p. 6049, que diz muito claramente que “a Watch Tower [Torre de Vigia] proclama sem hesitações o irmão Russell como ‘aquele servo fiel e sábio'”.
O “Escravo” tem mais de 1800 anos de idade!
A Sociedade Torre de Vigia também ensina, sem qualquer apoio, que o “Escravo” representa a congregação cristã desde o seu começo em 33 A.D. até agora: “As Testemunhas de Jeová crêem que esta parábola se refere à única congregação verdadeira dos seguidores ungidos de Jesus Cristo. A partir de Pentecostes de 33 E.C. e continuando durante os 19 séculos desde então, esta congregação semelhante a um escravo tem alimentado espiritualmente os seus membros, fazendo isso com fidelidade e discrição.” (A Sentinela, 1.º de setembro de 1981, p. 24)
E ainda:
“Desde Pentecostes de 33 A.D., até esta hora presente, esta (“alimentação”) tem sido realizada amorosa e cuidadosamente. Sim, e estes “domésticos” têm sido alimentados com comida espiritual progressiva que os mantém a par com a “luz clara que clareia mais e mais até o dia estar firmemente estabelecido.”” (The Watch Tower, 15 de julho de 1960, p. 435)
Portanto, a bem nutrida congregação cristã (“Escravo”), como afirma a Sociedade Torre de Vigia, tinha mais de 1800 anos de idade quando Russell apareceu em cena em meados da década de 1870. Esta afirmação é um completo disparate, sem qualquer prova ou justificação. Porque, se era mesmo verdade que havia um “Escravo” operando durante mais de 1800 anos, não teria havido necessidade de Russell “reviver as grandes verdades ensinadas por Jesus e pelos apóstolos” (Jehovah’s Witnesses in the Divine Purpose, em português TESTEMUNHAS DE JEOVÁ NO PROPÓSITO DIVINO, 1959, p. 17).
A Sociedade Torre de Vigia não consegue dizer onde estava essa congregação com 1800 anos de idade! Russell certamente não procurou essa congregação inexistente, nem essa mítica congregação procurou Russell! De fato, Russell nunca se voltou para qualquer organização terrestre. Ele agiu independentemente e por conta própria. Russell e os seus associados eram na realidade contra as organizações terrestres. Russell afirmou que:
“Nós não pertencemos a NENHUMA organização terrestre […] Todos os santos que vivem agora, ou que viveram durante esta era, pertenceram à ORGANIZAÇÃO DA NOSSA IGREJA; tais são todos UMA Igreja, e não existe NENHUMA OUTRA reconhecida pelo Senhor. Por essa razão, qualquer organização terrestre que interfira de algum modo com esta união de santos é contrária aos ensinos das Escrituras e oposta à vontade do Senhor”. (Zion’s Watch Tower, fevereiro de 1884, p. 2)
O “Escravo” estava espiritualmente impuro!
Consideremos agora a afirmação da Sociedade Torre de Vigia, de que Cristo voltou invisivelmente em 1914 e em 1919 fez um julgamento no templo que resultou na seleção da Sociedade Torre de Vigia em detrimento de todas as outras igrejas! Jesus realizou isto apesar do fato de saber que a Sociedade Torre de Vigia estava espiritualmente impura nesse mesmo tempo!
“As Escrituras descrevem-nos como tendo vestes impuras devido à sua longa associação com a apostasia cristã […] Eles tinham muitas práticas, características e crenças similares às seitas da cristandade semelhantes a joio.” (The Watchtower, 15 de julho de 1960, pp. 435-436)
O “Escravo” serviu alimento contaminado!
Outro critério para a seleção da Sociedade Torre de Vigia foi este: “A questão era servir alimento, a espécie correta de alimento no tempo apropriado. Tinha de ser sobre isso que o retornado amo precisava fazer uma decisão.” (Aproximou-se o Reino de Deus de Mil Anos, 1975, p. 350)
Mas observamos que “a espécie correta de alimento” servido pela Sociedade Torre de Vigia nesse tempo consistia, entre outras coisas, nisto.
• O ensino de que o tempo do fim tinha começado em 1799.
• Cristo voltou de forma invisível em 1874.
• O mundo será destruído em 1914.
• As pirâmides são Testemunhas de Deus — uma “Bíblia” em pedra.
• Rutherford tinha começado a pregar nos seus discursos que o mundo acabaria em 1925. Mais tarde, em 1925, ele publicou um livro sobre o mesmo assunto.
• Foi publicado em 1917 o livro The Finished Mystery (O Mistério Consumado). O livro continha a matéria mais disparatada que a Sociedade Torre de Vigia alguma vez publicou num único livro.
Pedem-nos que acreditemos que apesar destas aberrações da Sociedade Torre de Vigia nesse tempo, Jesus decidiu escolher a Sociedade Torre de Vigia acima de todas as outras seitas! E é claro que a designação foi confirmada por Jesus e transmitida à Sociedade Torre de Vigia — tudo invisível também! Quanto à necessidade de a Sociedade Torre de Vigia estar servindo alimento que era claramente superior às outras seitas cristãs [para poder ser escolhida por Jesus], vejam-se as próprias admissões da Sociedade Torre de Vigia, citadas acima, na The Watchtower, 15 de julho de 1960, pp. 435-436 e Aproximou-se o Reino de Deus de Mil Anos, 1975, p. 350.
Mais de 99% dos “Escravos” não fornecem qualquer alimento!
Outro ponto importante é que o “escravo fiel e discreto” supostamente é constituído por todo o restante dos 144.000, que atualmente são 8.661 segundo a última contagem efetuada pela Sociedade Torre de Vigia [A Sentinela, 1.º de janeiro de 2001]. Estes “ungidos” do restante estão espalhados por todo o mundo. É suposto que este “escravo” composto de 8.661 pessoas ungidas partilhe na distribuição de alimento conforme diz a parábola, e como corpo coletivo eles foram TODOS designados sobre os domésticos do amo. (Unidos na Adoração do Único Deus Verdadeiro, 1983, p. 119; Aproximou-se o Reino de Deus de Mil Anos, 1975, pp. 342-343; A Sentinela, 1.º de setembro de 1981, p. 24).
É uma charada completa dizer que estes 8.661 “ungidos” do restante, que estão distribuídos à volta do mundo, fazem qualquer tipo de preparação e distribuição do alimento espiritual apresentado às Testemunhas de Jeová pela Sociedade Torre de Vigia. Raymond Franz, ex-membro do Corpo Governante da Sociedade Torre de Vigia, no seu livro In Search of Christian Freedom (Em Busca de Liberdade Cristã, 1991) refere-se a este assunto, dizendo: “Essa é provavelmente a ficção mais óbvia que podemos encontrar em todo o conjunto de explicações sobre as Escrituras publicadas pela organização. O fato é que nem sequer 1% do número de ‘ungidos’ tem a mínima parte em determinar o que as Testemunhas de Jeová recebem sob a forma de material bíblico ou na elaboração de políticas ou na direção das atividades dessas pessoas […] A esmagadora maioria dos artigos publicados na revista ‘A Sentinela’ foram escritos por pessoas que não pertencem à ‘classe ungida’.” (p. 154)
Cronologicamente, o “Escravo” não existe!
Outro ponto importante é que a data 1914 para a chegada de Jesus é baseada numa cronologia da Sociedade Torre de Vigia que é inquestionavelmente falsa. A data 607 A.C. para a destruição de Jerusalém, que eles usam como base para os seus cálculos, tem contra si uma quantidade de evidência muito forte e simplesmente não tem qualquer apoio fora da Sociedade Torre de Vigia. O fato de o conceito da identificação do “Escravo” se basear em cálculos cronológicos falsos obviamente demonstra que o “Escravo” não tem “existência” justificada. Carl Olof Jonsson, no seu livro The Gentile Times Reconsidered (Os Tempos dos Gentios Reconsiderados, 1998), recorrendo a argumentos irrefutáveis e muito sólidos, demonstra que é falsa a posição da Sociedade Torre de Vigia quanto à data 1914 e quanto ao mito subsequente do “Escravo”.
Em conclusão, gostaríamos de declarar que a história do “escravo fiel e discreto” é uma fábula falsificada feita por homens. Este “Escravo” merece o completo desprezo e rejeição de todas as pessoas racionais.
Resumo
Consideramos várias razões que provam que “o escravo fiel e discreto” é um produto da imaginação da Sociedade Torre de Vigia. Eis um resumo destas razões.
• A Sociedade Torre de Vigia nem sequer tem certeza sobre o que deseja publicar sobre a entidade do “Escravo”. Até 1896, a Sociedade Torre de Vigia especulou que o “Escravo” era uma organização (o inteiro corpo de Cristo). Entre 1896 e 1927 (11 anos depois da morte de Russell) a Sociedade Torre de Vigia defendeu que o “Escravo” era um indivíduo” — Russell. Depois de 1927 a Sociedade Torre de Vigia novamente conjeturou que o “Escravo” era uma organização.
• A Sociedade Torre de Vigia considerava que o “Escravo” teve uma existência durante cerca de 1800 anos, desde Pentecostes. Não foi apresentada qualquer justificação ou prova para isso — apenas se afirmou tal coisa. Isto foi, mais uma vez, uma especulação crassa.
• Apesar do fato de o “Escravo” estar espiritualmente impuro e estar servindo alimento “contaminado”, espera-se que acreditemos que Jesus selecionou a Sociedade Torre de Vigia como “Escravo” dentre todas as outras seitas cristãs. Cristo alegadamente fez isso apesar do fato de a Sociedade Torre de Vigia estar ainda espiritualmente impura e servindo “alimento” contaminado no exato momento em que estava sendo feita a sua designação por Jesus! Tudo isto foi admitido pela Sociedade Torre de Vigia nas suas próprias publicações, conforme foi mostrado acima.
• O “Escravo”, que supostamente é composto por todo o restante dos 144.000, atualmente totaliza 8.661 pessoas “ungidas”, e é suposto que todas colaborem em providenciar “alimento” às Testemunhas de Jeová em todo o mundo. Porém, na realidade, estas pessoas são apenas figuras decorativas e nunca são consultadas em nenhuma das decisões ou anúncios feitos pela Sociedade Torre de Vigia. Todo o conceito do modo como funciona o restante é um fingimento ridículo e manifestamente falso.
• Uma cronologia defunta e completamente falsa estabeleceu 1914 como a data da “volta” de Jesus. Como já se provou que essa cronologia é falsa, pode-se afirmar que Jesus não voltou em 1914 e consequentemente não podia ter selecionado a Sociedade Torre de Vigia como o “Escravo” em 1919!
B. J. Kotwall