JOHN WESLEY: CALVINISTA CONFUSO OU ARMINIANO CONVICTO?
O conhecido autor calvinista, J. I. Packer, em um ensaio intitulado Predestination in Christian History (A Predestinação na História Cristã) referiu-se a John Wesley como “um calvinista confuso”.[ii] Segundo Packer, Wesley “insistiu que era arminiano porque queria afirmar o convite universal do evangelho e o amor de Deus expresso no evangelho”, mas, arrematou ele, “calvinistas também fazem isso!”.[iii]
Entretanto, as declarações de Packer demonstram claramente que se houve “um calvinista confuso” nessa história, esse alguém foi sem dúvida alguma ele próprio, e não Wesley, pois, de acordo com o Calvinismo, “não é propósito de Deus salvar todos os homens”.[iv] Desse modo, conclui esse sistema teológico que “Cristo não morreu por todos os homens! A expiação é limitada! A redenção é particular! Só a eleita noiva de Cristo (a Igreja) é objeto do amor de Deus”.[v] E se alguém acha que estas declarações não representam corretamente o Calvinismo, então que leia um de seus mais famosos documentos, denominado Cânones de Dort, que em seu Cap.I, Art.15, declara o seguinte: “A Escritura Sagrada mostra (…) que nem todos os homens são eleitos [para a salvação]; alguns, pois, são preteridos na eleição eterna de Deus. De acordo com Seu Soberano, Justo, Irrepreensível e Imutável bom propósito [‘bom’ para quem?], Deus decidiu deixá-los na miséria comum em que se lançaram por sua própria culpa, não lhes concedendo a fé salvadora e a graça da conversão“.[vi]
Tais afirmações, além de serem chocantes, contradizem flagrantemente o tipo de “convite universal do evangelho” e de “amor de Deus expresso no evangelho” que Packer alega ser defendido pelos calvinistas. Portanto, diante de todas estas declarações evidentemente conflitantes, pergunto: Pode um calvinista afirmar de forma sincera e genuína “o convite universal do evangelho” e “o amor de Deus expresso no evangelho” a todas as pessoas, se o próprio Deus, de acordo com a soteriologia calvinista, elege incondicionalmente apenas alguns e não outros para a salvação? Bem, para ser bastante franco, não vejo como tal oferta do evangelho possa ser feita a todos de forma sincera. Além disso, não entendo como o evangelho pode ser visto como o anúncio das “boas novas”, se o conteúdo de tal proclamação envolve a eleição incondicional de apenas alguns indivíduos para a salvação e a reprovação e o respectivodestino de outros ao inferno. Estas não seriam “boas novas”, mas sim “péssimas notícias”!
Mas, e quanto a Wesley? Ele realmente foi “um calvinista confuso” como afirmou Packer, ou foi um arminiano convicto? Apesar de Wesley nunca ter escrito nenhum compêndio de Teologia Sistemática, contudo, a sua teologia está claramente delineada em seu diário e também nos comentários, notas, sermões e demais publicações que nos legou. Entre os seus sermões, merece destaque aquele intitulado On Free Grace (Sobre a Graça Livre), pregado em Bristol, em 1740, no qual Wesley declara, por exemplo, que “Cristo morreu, não apenas por aqueles que são salvos, mas também por aqueles que perecem”.[vii] Tal declaração mostra o quão distante Wesley estava do tipo de “conviteuniversal do evangelho” e de “amor de Deus expresso no evangelho” supostamente pregados pelo Calvinismo, “amor” este que, segundo Wesley, “nos faz gelar o sangue nas veias”.[viii]
Apesar de crer na doutrina da Depravação Total, assim como Calvino, no entanto “Wesley considerava as doutrinas de Calvino – a eleição incondicional, a graça irresistível e a dupla predestinação – ofensivas ao caráter de Deus, que é amor” e, além disso, “chegou a ponto de declarar a opinião de que essas doutrinas eram uma blasfêmia, porque tornam difícil distinguir entre Deus e o diabo”.[ix] Quanto à doutrina acerca da “segurança da salvação”, Wesley divergiu de Armínio, pois, para este último, “estabelecer a extensão dos limites desta segurança [da salvação], [deveria ser] um assunto de investigação em nossa convenção”.[x] Já para Wesley, “o testemunho do Espírito Santo não era (…) a certeza incondicional da posterior salvação”, pois, argumentava ele, “ao aceitar a liberdade e a responsabilidade do homem como ponto de partida na vida cristã, o Espírito Santo não podia posteriormente despojá-lo dessas prerrogativas”, de modo que “a possibilidade da apostasia, tão claramente ensinada nas Escrituras, é uma admoestação constante a todos”.[xi]
Ora, mas se todos estes dados ainda não são suficientes o bastante para demonstrar as convicções contundentemente arminianas de Wesley, voltemos então a nossa atenção para a declaração de Maddox, segundo quem, “para (…) sublinhar suas diferenças dos calvinistas, John Wesley fundou sua Revista Arminiana em 1778. Ele tinha prazer de chamar a si mesmo de arminiano (…)”.[xii]
Diante de tudo quanto foi dito, não há como negar o fato incontestável de que os ensinamentos de Wesley eram acentuadamente arminianos, jamais calvinistas. Aliás, creio que não cometeria nenhum exagero se dissesse que, em certo sentido, a única semelhança entre Calvino e Wesley residia apenas no mesmo prenome de ambos. Todavia, se o primeiro João enfatizou a soberania de Deus em sua teologia, o segundo João, por sua vez, sem nunca negar esse aspecto essencial da divindade, também ressaltou a centralidade do amor genuíno de Deus para com toda a humanidade em sua pregação e ensino.
Portanto, a tentativa de Packer de “calvinizar” Wesley se mostrou malsucedida. Assim, só podemos fazer coro com Olson quanto ao fato de que “a teologia de Wesley era completamente arminiana”,[xiii] de maneira que este mereceu com justiça o título que Charles Spurgeon certa vez lhe conferiu, chamando-o de “o príncipe dos modernos arminianos”.[xiv]
[Extraído do Jornal: “O Wesleyano do Século XXI”. Ano I. Nº1. Maceió, Editora Sal Cultural, 2015, p.3].
[i] Carlos Augusto Vailatti é Doutorando em Estudos Judaicos e Árabes (com concentração em Estudos Judaicos) pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) – Departamento de Letras Orientais (DLO) – da Universidade de São Paulo (USP); Mestre em Teologia (com especialização em Teologia Bíblica) pelo Seminário Teológico Servo de Cristo (STSC, 2009); e Bacharel em Teologia pela Faculdade Betel / Instituto Betel de Ensino Superior (IBES, 1999) e também pela Escola Superior de Teologia (EST), em São Leopoldo, RS.
[ii] Cf. J. I. Packer, Predestination in Christian History. In: WALLS, Jerry L. & DONGELL, Joseph R. Why I am Not a Calvinist. Downers Grove, InterVarsity Press, 2004, p.154.
[iii] Idem, Ibidem, p.154.
[iv] OWEN, John. Por Quem Cristo Morreu? São Paulo, PES, 1996, p.44.
[v] SPENCER, Duane Edward. TULIP. São Paulo, Casa Editora Presbiteriana S/C, 1992,pp.45-46.
[vi] Os Cânones de Dort. São Paulo, Editora Cultura Cristã, S.d., p.22. Os acréscimos entre colchetes e os itálicos são meus.
[vii] WESLEY, John. Sermons on Several Occasions. [Vol.I]. London, J. Emory and B. Waugh, 1829, p.583.
[viii] OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. São Paulo, Editora Reflexão, 2013, p.146.
[ix] OLSON, Roger. História da Teologia Cristã. São Paulo, Editora Vida, 2001, p.524.
[x] ARMINIUS, James. The Works of James Arminius. Vol.1. Grand Rapids, Christian Classics Ethereal Library, 2002, p.177. Os acréscimos entre colchetes são meus.
[xi] LELIÈVRE, Mateo. João Wesley: Sua Vida e Obra. São Paulo, Editora Vida, 1997,pp.364-365.
[xii] MADDOX, Graham. [Ed.]. Political Writings of John Wesley. Bristol, Thoemmes Press, 1998, p.24.
[xiii] OLSON, Roger. História da Teologia Cristã, p.524.
[xiv] SPURGEON, Charles Haddon, SPURGEON, Susannah & HARRALD, Joseph. The Autobiography of Charles H. Spurgeon: 1834-1854. Edinburgh, F. H. Revell, 1898, p.176.
por Carlos Augusto Vailatti
Muito estranho essa tal ´predestinação´! Como um Calvinista sabe se ´ele´ é o ELEITO para o céu e não para o inferno!?!
boa pergunta … mas quando indagados, respondem “minha salvação está na mão “dele”, e “ele” não falha”. acham que por serem “calvinistas” (iluminado) estão salvos …
O Engraçado JCP, q essas pessoas não pensam na Palavra.
Mateus 10:28
E, não temais os que matam o corpo, mas não têm poder para matar a alma. Temei antes, aquele que pode destruir no inferno tanto a alma como o corpo.
Ele não falha MESMO, más Eu sou humano e tenho muitas falhas!!!
Respeito muito Calvino, no entanto, creio que ele não entendeu a essência divina. Há uma grande diferença entre PERMITIR que algo aconteça e PREDESTINAR para que aconteça. Permitindo, Deus é amor. Predestinando, Deus não é amor.