O tópico de abertura da declaração de fé dos mórmons afirma: “Cremos em Deus o Pai eterno e em seu filho Jesus Cristo e no Espirito Santo”. Superficialmente parece ser uma declaração trinitariana e satisfatória. Será, porém, que devemos presumir que seja esse o sentido mórmon da declaração?
Os mórmons não crêem em uma divindade trina. Sua declaração de fé, se é que reflete alguma coisa de sua crença, abre a porta primeiramente para três deuses distintos, no que diverge completamente da fé cristã ortodoxa em um Deus trino. Há abundância de comentários que revelam que não estamos expondo mal o seu caso. Essas mesmas declarações demonstram também que o ensino mórmon de um deus antropomórfico é padrão de seu modo de pensar.
A primeira visão alegada por Joseph Smith revela esse fato. Eis as circunstâncias que precederam a recepção-da visão. Diz Smith:
“Havia no lugar onde morávamos uma agitação incomum em matéria de religião… Toda a redondeza, ao que parece, ressentia essa agitação, e grandes multidões uniam-se aos vários partidos religiosos, o que causou grande reboliço e divisão entre o povo. Uns gritavam: “Eis aqui!” e outros: “Eis acolá!” Uns contendiam pela fé metodista, outros pela presbiteriana, outros ainda pela batista… Eu na ocasião estava com quinze anos incompletos. A família de meu pai foi levada pelo proselitismo da fé presbiteriana.
Durante esse tempo, meus pensamentos foram despertados por sérias reflexões e grande inquietação; contudo, embora meus sentimentos fossem profundos e muitas vezes aflitivos, conservei-me alheio a todos esses grupos, ainda que assistisse às suas diversas reuniões. Inclinava-me até certo ponto à seita metodista e senti algum desejo de unir-me a eles; porém era tão grande a confusão e contenda entre as diferentes denominações, que era impossível a um jovem da minha idade chegar a uma conclusão certa quanto a quem estava certo e quem errado.
Enquanto eu laborava sob as extremas dificuldades causadas pelas contendas desses partidos de religiosos, li um dia a Epístola de Tiago, primeiro capítulo, verso cinco, que diz: “Se algum de vós necessita de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente, e nada lhes impropera; e ser-lhe-á concedida”.
Jamais alguma passagem da escritura veio com maior poder… pareceu entrar com grande força em cada sentimento de meu coração… Por fim cheguei à conclusão de que, ou eu havia de permanecer em trevas e confusão, ou havia de fazer como Tiago recomenda. Então, de acordo com isso, retirei-me ao bosque para fazer a tentativa… Tendo-me retirado ao lugar a que anteriormente pretendera ir, olhado em redor e me achado a sós, ajoelhei-me e comecei a oferecer a Deus os desejos de meu coração.
Apoderou-se de mim algum poder que me sujeitou completamente. Teve sobre mim influência tão assombrosa que me prendeu a língua de modo que eu não pude falar. Muitas trevas me cercaram, e durante algum tempo me parecia que eu estava destinado a súbita destruição.
Mas, exercendo todas as minhas forças para invocar a Deus para que me libertasse do poder desse inimigo que se apoderara de mim, e no momento exato em que eu estava pronto a desesperar e a me abandonar à destruição — não a uma ruína imaginária, mas ao poder igual a que eu jamais sentira em qualquer ser — justamente nesse momento de grande alarme, vi uma coluna de luz exatamente sobre minha cabeça, mais brilhante que o sol, a qual desceu aos poucos até cair sobre mim.
Assim que apareceu, senti-me liberto do inimigo que me prendia. Quando a luz pousou sobre mim, via dois personagens, cujo brilho e glória excediam a toda descrição, eretos, no ar, por cima de mim. Um deles falou-me, chamando-me pelo nome e disse, apontando o outro: “Este é meu filho amado, ouve-o” (Pérola de Grande Valor, p.84-85).
Smith não fêz menção dessa visão senão vários anos depois de sua suposta ocorrência. Há quem argumenta que Joseph nunca teve tal visão, mas que a concebeu a fim de substanciar sua teologia posterior. Reconhecemos a lógica de quem assim argumenta, uma vez que há nos escritos de Joseph muita evidência de revelações ex post facto. Minha própria opinião é que, se essa primeira visão está corretamente registrada, corresponde ao método pelo qual Satanás pode transformar-se em anjo de luz.
Alguém poderá levantar a questão: “Será que uma pessoa que estivesse pedindo luz, conforme Joseph afirma ter feito, receberia por resposta um arrebatamento e visão satânicos?” Nós responderíamos que o Espírito de Deus fala através da Palavra de Deus sempre que o interessado tem acesso a ela. Uma vez que Joseph Smith buscou luz fora da Palavra de Deus, teve por resposta uma revelação que não se coaduna com a Palavra de Deus. O Espírito de Deus fala pela Palavra de Deus.
Se Joseph Smith tivesse continuado sua leitura até Tiago 1.18, ele teria recebido uma autêntica revelação do processo divino da salvação. Esse texto declara: “Segundo o seu querer, ele nos gerou pela palavra da verdade”.
Um apologista de Smith, de nome John Henry Evans, retruca que era inútil um menino de quatorze anos esperar auxílio pelo estudo da Bíblia (John Henry vans, An American Prophet, p.345) Essa conclusão é evidentemente incoerente, uma vez que os próprios mórmons consideram a pessoa com idade de responsabilidade suficiente para receber o batismo com oito anos, e para assumir o ofício de diácono com quatorze. A revelação que serve de comentário à natureza dessa primeira visão de Smith reza como segue:
“O Pai tem um corpo de carne e ossos tão tangível quanto o do homem; o Filho também, mas o Espírito Santo não tem corpo de carne e ossos, porém é personagem de espírito. Se não fosse assim, o Espírito Santo não podia habitar em nós” (Doutrina e Convênios, 130.22).
- E. Talmage, um dos mais preeminentes dos expositores posteriores dos mórmons, faz vários comentários sobre a ideia mórmon da Trindade, em contradição à ideia cristã. Diz ele:
“Três pessoas que compõem o grande concílio presidente revelaram-se ao homem: 1) Deus o eterno Pai; 2) Seu filho Jesus Cristo, e 3) o Espírito Santo. Essas três pessoas são individual e fisicamente distintas umas das outras” (James E. Talmage, Artigos de Fé, p.39).
Não existe, provavelmente, documento maior na expressão da doutrina da Trindade, do que aquele que é formulado no Credo Niceno. Pois bem: dele escreve J. E. Talmage: “Seria difícil conceber maior número de incoerências e contradições expressas em tão poucas palavras” (James E. Talmage, Artigos de Fé, p.48).
Esse mesmo autor, comentando a declaração mais simples contida na confissão de fé da Igreja Anglicana, assim se expressa: “A imateriabilidade de Deus, conforme é asseverada nessas declarações de fé sectárias, está em absoluto desacordo com as escrituras e é completamente contrariado pelas revelações da pessoa e dos atributos de Deus. A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias proclama contra o incompreensível Deus sem corpo, partes ou paixões, como coisa impossível de existir, e assevera sua crença no Deus verdadeiro e vivo da escritura e das revelações, votando a ele sua fidelidade” (James E. Talmage, Artigos de Fé, p.48).
Um dos mais célebres dos teólogos mórmons foi Parley P. Pratt. Sua maior obra é sua Chave da Ciência da Teologia. Os mórmons não põem em dúvida os escritos de Pratt. Um de seus comentários sobre a doutrina da Trindade é como segue:
“Entre essas teorias (as doutrinas da igreja cristã) observaremos uma que é, talvez, recebida mais largamente pelas várias seitas do que qualquer outra. A linguagem reza assim: “Há um único Deus vivo e verdadeiro, sem corpo, partes ou paixões; consiste de três pessoas, o Pai, o Filho e o Espírito Santo”.
É doloroso para a mente humana ser obrigada a admitir que tão maravilhosas incoerências de linguagem ou ideias tenham jamais encontrado lugar em credo humano… Não passa de outra maneira de dizer que há um Deus que não existe, um Deus que é composto do nada, que é a negação de toda a existência, que não ocupa nenhum espaço, que não existe em nenhum tempo e que não é composto de nenhuma substância. Tal Deus jamais poderia ser visto, ouvido ou sentido por qualquer ser no universo” (Parley P. Pratt, Chave da Ciência e da Teologia, p.28-29).
Evidentemente Pratt e os mórmons excluiram a possibilidade de se pensar além do reino do que é físico e visível. Pratt demonstra isso ao prosseguir:
“Jamais houve ídolo visível, cultuado entre os homens e que fosse tão destituído de poder como esse “Deus sem corpo, paixões ou partes.” O Deus do Egito, o crocodilo, tinha poder para destruir. O Deus peruviano, o sol, podia difundir seu genial calor, luz e influência” (Parley P. Pratt, Chave da Ciência e da Teologia, p.28-29).
Assim Pratt atribui ao deus do sol e ao crocodilo do Egito lugar mais elevado que à eterna Trindade da Bíblia. Pratt comenta ainda a natureza do Pai e do Filho. Diz ele:
“Jesus Cristo e seu Pai são duas pessoas, no mesmo sentido em que João e Pedro são duas pessoas. Cada qual possui um tabernáculo organizado e individual, incorporado em forma material e composto de substâncias materiais na semelhança do homem, e possuindo todo órgão, limite e parte física que o homem possui” (9)
Pratt não comenta nessa altura a relação do Espírito Santo na Trindade. Suas teorias a esse respeito serão discutidas em capítulo posterior.
Continua…
Por Gordon H. Fraser
Tradução de W. J.Goldsmith