Certamente alguns calvinistas consideram o Arminianismo uma heresia. A Internet está repleta deles. Tudo o que precisamos fazer para confirmar isto é digitar Arminianismo em qualquer sistema de busca e observar todos os sites calvinistas que condenam o Arminianismo como herético. Entretanto, muitos calvinistas moderados ou pensadores e líderes Reformados tem se aberto ao Arminianismo e abraçado-o como uma expressão válida da teologia Reformada. Mas onde estão os arminianos nesta discução? Os arminianos consideram sua teologia Reformada? Arminius considerava sua teologia Reformada? Aqui nós mergulhamos em um pântano de opiniões diversas. Um famoso televangelista declarou que o calvinismo é a pior heresia na história do cristianismo. Essa opinião pode certamente ser encontrada entre alguns arminianos. Outros simplesmente desejam manter distância entre si e todas as variedades do Calvinismo. Outros chamam-se “moderadamente reformados” ou mesmo “Calminianos”, apontando para um híbrido mítico do Calvinismo e Arminianismo!
Um dos mais autênticos estudiosos do Arminianismo do século XX foi o Metodista Carl Bangs, que escreveu uma biografia teológica magistral de Armínius intitulada Arminius: A Study in the Dutch Reformation (1985). Bangs cresceu no meio do movimento de santidade (Holiness). (Sua irmã escreveu livros sobre teologia arminiana para os Nazarenos.) No entanto, em sua obra, Bangs partiu da crença popular de que o teólogo holandês se opunha a tudo do Calvinismo ou teologia Reformada, e apontou suas repetidas tentativas de enfatizar a base comum deles. Uma história popular sobre Arminius é que ele era um calvinista rígido comprometido, até que foi convidado a analisar e refutar os ensinamentos de um Reformador radical que rejeitava os ensinamentos calvinistas acerca da predestinação. De acordo com essa história, Arminius tornou-se convencido da verdade pela teologia sinergista de Dirk Coornhert e sacudiu a poeira calvinista de seus pés. Bangs dissipa essa lenda como mito ou pelo menos como não provada e improvável. Pelo contrário, Arminius nunca adotou totalmente o monergismo de Beza ou de Calvino: “Todas (a) evidências apontam para uma conclusão: Arminius não estava de acordo com a doutrina da predestinação de Beza quando assumiu seu ministério em Amsterdam; na verdade, ele provavelmente nunca esteve de acordo com ela.”[1] Todavia, de acordo com Bangs, Arminius sempre considerou a si mesmo Reformado e alinhado com os grandes reformadores suíços e franceses Zwinglio, Calvino e Bucer. Ele foi aluno de Beza, sucessor de Calvino, em Genebra, e recebeu uma carta de recomendação dele para a Igreja Reformada de Amesterdã. Parece altamente improvável que o pastor-chefe de Genebra e principal de sua academia Reformada, não saberia as inclinações teológicas de um de seus brilhantes alunos.
Qual é a explicação para tudo isso? Segundo Bangs e alguns outros historiadores, no tempo de Arminius, as igrejas Reformadas das Províncias Unidas eram genericamente Protestantes ao invés de rigidamente Calvinistas.[2] Enquanto eles aceitaram o Catecismo de Heidelberg como declaração primária de sua fé, eles não exigiram dos ministros ou teólogos que aderissem às doutrinas do Calvinismo consistente desenvolvidas em Genebra sob a coordenação de Beza. Arminius realmente parece ter ficado chocado e surpreso com a oposição montada pelos calvinistas contra o seu sinergismo evangélico; ele estava acostumado com um tipo de teologia Reformada que permitia a diversidade de opiniões no que dizia respeito aos detalhes da salvação. De acordo com Bangs, “os mais antigos reformadores” das Províncias Unidas não eram calvinistas mais do que eram luteranos. Sua teologia era uma combinação geral e talvez exclusiva das duas alas principais do protestantismo, e permitia que as pessoas se inclinassem em uma direção (incluindo o sabor sinergístico do luteranismo de Melanchthon) ou outra (incluindo o calvinismo bastante extremado de Beza, conhecido como supralapsarianismo). Mas Franciscus Gomarus, colega de Arminius na Universidade de Leiden, alegou que o Calvinismo rígido (TULIP) estava implantado pelos padrões doutrinários das igrejas e universidades holandesas, assim ele lançou um ataque contra os moderados, incluindo Armínio.
No início, a campanha para impor o Calvinismo consistente foi mal-sucedida; conferências da igreja e estado questionando a teologia de Arminius rotineiramente isentaram-no de heterodoxia, até que a política começou a intrometer-se. De alguma forma Gomarus e outros calvinistas consistentes conseguiram convencer os governantes das Províncias Unidas e, especialmente, o príncipe Mauricio de Nassau, que somente a teologia deles fornecia proteção segura contra a influência da Igreja Católica espanhola. (As Províncias Unidas ainda estavam envolvidas em uma prolongada guerra de libertação contra a dominação espanhola e católica durante a vida de Armínio).[3] Após a morte de Arminius, o governo passou a interferir mais e mais na controvérsia teológica sobre a predestinação nas Províncias Unidas e, eventualmente, o príncipe Mauricio expelia arminianos de posições governamentais; um foi executado e outros foram presos. Quando o sínodo da igreja nacional foi realizada em Dort em 1618-1619, o partido calvinista consistente tinha o apoio do governo. Os Remonstrantes foram privados de participar, exceto como réus; eles foram condenados como hereges e expulsos de suas posições; suas propriedades foram tomadas, e eles foram banidos do país. Assim que o príncipe Mauricio morreu em 1625, o partido calvinista perdeu sua mão de ferro e os Remonstrantes encontraram seu caminho de volta para o país, onde fundaram igrejas e um seminário. A questão é que a Igreja Protestante holandesa no princípio conteve diversidade teológica; ambos monergistas e sinergistas estavam representados. Somente o poder do príncipe permitiu o partido monergista controlar a igreja, e com o poder do estado para perseguir sinergistas. Arminius sempre pensou em si mesmo como Reformado em um sentido amplo. Para sua maneira de pensar, o calvinismo rígido era apenas um ramo da teologia Reformada; ele pertencia a outro. Isso não fazia dele menos Reformado. Bangs discorda de Richard Muller, que argumenta que Arminius e sua teologia representam uma mudança radical do pensamento Reformado. Para Bangs, Arminius e sua teologia representam uma variedade do pensamento Reformado, mesmo que seja fora da tendência. Arminianismo é uma correção da teologia reformada, ao invéz de uma separação dela. “Arminius permanece firmado na tradição da teologia Reformada em insistir que a salvação é somente pela graça e que a capacidade ou mérito humano deve ser excluído como causa de salvação. É a fé em Cristo somente que coloca um pecador na companhia dos eleitos”.[4] A correção feita por Arminius consiste na rejeição do monergismo rígido, o qual muitos vieram a considerar ser a própria teologia Reformada. Na mente de Arminius o monergismo não era necessário para a teologia reformada; ele preferiu concentrar-se sobre a base comum que ele compartilhava com outros pensadores Reformados do que em seus pontos de desacordo. (Embora, muitas vezes era compelido a declarar suas opiniões discordantes das versões mais extremas do calvinismo).
A opinião de que Arminius e o Arminianismo clássico fazem parte da tradição Reformada mais ampla e não são o oposto do calvinismo, é compartilhada por muitos estudiosos. O teólogo holandês Gerrit Jan Hoenderdal diz, “Muito Calvinismo pode ser encontrado na teologia de Arminius; mas ele tentou ser um calvinista de uma forma bastante independente”.[5] Ele confirma a declaração de Bangs de que isso foi comumente aceito nas igrejas e universidades holandesas antes da época de Arminius, mas que uma certa rigidez foi estabelecida para o Calvinismo durante a carreira de Arminius na Universidade de Leiden.[6] James Luther Adams concorda. Segundo ele, Arminius manteve as características fundamentais do Calvinismo.[7] Estas incluem ênfase no supremo poder da graça como necessário até mesmo para os primeiros movimentos do coração em direção a Deus e a ênfase sobre a salvação como um dom gratuito que não pode ser adiquirido ou merecido. Donald Lake concorda e diz que Arminius era “na maioria dos pontos um calvinista moderado”.[8] Howard Slaatte também concorda. Segundo ele, Arminius trouxe ajustes à teologia Reformada; ele não desligou-se dela. Mais tarde os Remonstrantes, que Slaatte chama de “quase-arminianos” (quase certamente Philip Limborch), separaram-se do verdadeiro Arminianismo, aquele mantido por Arminius e sua primeira geração de seguidores (Episcopius e os outros Remonstrantes anteriores). Ele chama Arminius de um “calvinista de esquerda” e afirma que, enquanto Pelágio era um moralista, Arminius foi um verdadeiro produto da Reforma Protestante.[9] Arminius, Slaatte corretamente assevera, só procurou modificar o fluxo do calvinismo:
A verdadeira teologia arminiana [que é fiel a Arminius] sempre mostra um profundo respeito pela primazia da fé ligada à graça de Deus e pela doutrina da pecaminosidade do homem, enquanto que, ao mesmo tempo, reivindica uma consistente responsabilidade do homem no relacionamento salvífico.[10]
Slaatte coloca seu dedo sobre o ponto concreto em que Arminius permaneceu fiel à causa reformada:
Assim, o fator de resposta (na pessoa humana, de acordo com Arminius) pode ser descrito como uma qualificação da graça, inspiração da graça e direcionamento da graça à liberdade. O pecador pode pecar livremente sucumbindo às tentações e à coação do mal em sua vida, mas ele somente pode responder livremente à graça, à medida que ela tocá-lo através da palavra de iluminação do Espírito.[11]
Até mesmo um conservador e respeitável teólogo arminiano como H. Orton Wiley considera Arminius e o Arminianismo como uma correção da teologia reformada em vez de uma total separação dela: “Em sua mais pura e melhor forma, o Arminianismo preserva a verdade encontrada nos ensinamentos Reformados sem aceitar seus erros”.[12]
Autor: Roger E. Olson – Fonte: Arminian Theology: Myths and Realities – Tradução: Samuel Paulo Coutinho
Extraído do site http://deusamouomundo.com/ em 10/03/2015
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[1] Carl Bangs, Arminius (Grand Rapids: Zondervan, 1985), p. 141.
[2] Ibid., p. 198.
[3] A complexa história da controvérsia que cerca Arminius e seus seguidores nos anos que conduzem ao Sínodo de DORT é magistralmente relatada em A.W. Harrison, The Beginnings of Arminianism to the Synod of Dort (London: University of London Press, 1926).
[4] Bangs, Arminius, p. 198.
[5] Gerrit Jan Hoenderdaal, “The Life and Struggle of Arminius in the DutchRepublic,” in Man’s Faith and Freedom: The Theological Influence of Jacobus Arminius, ed. Gerald O. McCulloh (Nashville: Abingdon, 1962), p. 25.
[6] Ibid.
[7] James Luther Adams, “Arminius and the Structure of Society,” in Man’s Faith and Freedom, ed. Gerald O. McCulloh (Nashville: Abingdon, 1962), p. 94.
[8] Donald M. Lake, “Jacob Arminius’s Contribution to a Theology of Grace,” in Grace Unlimited, ed. Clark Pinnock (Minneapolis: Bethany House, 1975), p. 232.
[9] Howard A. Slaatte, The Arminian Arm of Theology (Washington, D.C.: University Press of America, 1979), pp. 19, 23.
[10] Ibid., p. 24.
[11] Ibid., p. 66.
[12] H. Orton Wiley, Christian Theology (Kansas City, Mo.: Beacon Hill, 1941), 2:107.