A doutrina espírita chegou ao Brasil em meados do século 19, nos Estados do Rio de Janeiro, Ceará, Pernambuco e Bahia. Interpretada pelo francês Hipolite Leon Denizard Rivail, sob o pseudônimo Allan Kardec, ganhou impulso com a formação de grupos de estudos que, aos poucos, difundiram no país a corrente espírita conhecida como kardecismo. Como na época os textos espíritas ainda não estavam traduzidos para o português, os praticantes da nova religião restringiam-se a classes sociais mais instruídas. Em 1884, é fundada a FEB — Federação Espírita Brasileira.
Allan Kardec uniu o cristianismo à necromancia e a alguns conceitos hindus, sem levar em conta que “água e óleo” não se misturam. Seu espiritismo não é um espiritismo verdadeiro e seu cristianismo é igualmente inventivo. Seus seguidores se julgam cristãos, mas, a rigor, veremos que isto não pode ser tomado por verdade.
De acordo com os dados preliminares do Censo de 2000, o espiritismo possui 2,3 milhões de adeptos no país, o que corresponde a 1,4% da população. Segundo a Federação Espírita Brasileira, o número chega a 20 milhões, se forem incluídas as pessoas que vão aos centros espíritas, mas declaram ser de outras confissões religiosas. Essa é realidade que deve ser considerada, uma vez que, de fato, o sincretismo que envolve o kardecismo realmente proporciona ao “fiel” de outras religiões encontrarem guarida em suas sessões.
Devido à proeminência incontestável do espiritismo em solo brasileiro, propomos aos leitores de Defesa da Fé a apresentação de nove apelos que parecem justificar a imensa força de atração que o espiritismo exerce em nosso meio. Acreditamos que, conhecendo um pouco cada uma dessas razões, nos será possível delinear estratégias de evangelismo mais eficazes. Vejamos:
Apelo científico
No livro O evangelho segundo o espiritismo, Hipolite escreveu: “O espiritismo é a junção perfeita da ciência com a religião”. Devemos lembrar que sua época abraçou o apogeu das descobertas científicas. Qualquer ensino que não passasse pelo crivo de qualidade dos padrões científicos seria ridicularizado. Aliás, a religião, de uma forma geral, estava sendo ridicularizada por não atender estes padrões. Segundo o conceito geral de Chapman Cohen, os “deuses são coisas frágeis; eles podem ser mortos com uma baforada de ciência ou uma dose de senso comum”.
Por isso, inicialmente, o espiritismo sempre insistiu em afirmar seu caráter científico: “O espiritismo é, antes de tudo, uma ciência e não cuida de questões dogmáticas. Melhor observado, depois que se generalizou, o espiritismo vem derramar luz sobre um grande número de questões, até hoje insolúveis ou mal compreendidas. Seu verdadeiro caráter é, portanto, de uma ciência e não de uma religião”.1
Entretanto, pode-se conferir ao espiritismo a mesma segurança dos conhecimentos científicos? Sua alegação foi aceita por todos? Na Inglaterra, foi criada a Sociedade de Pesquisas Psíquicas, que visava aplicar ao espiritismo os mesmos critérios usados para a investigação científica. Em sua História do espirtismo, Artur Conan Doyle, célebre criador de Sherlock Holmes, faz diversas referências ao fracasso das pesquisas espíritas para enquadrá-lo dentro dos padrões da ciência:
“Onde a sociedade foi menos feliz foi no que se refere aos chamados fenômenos físicos do espiritismo. Mr. E.T. Benett, que durante vinte anos foi secretário assistente da Sociedade, assim se exprime a respeito: ‘É um fato notável, e nós nos inclinamos a dizer que é uma das coisas mais notáveis na história da Sociedade, que esse ramo de investigações tivesse sido — e não há nisso exagero — absolutamente falho de resultados. Também deve ser dito que o resultado foi mais falho quanto maior a simplicidade do fenômeno […] Em toda a série de volumes publicados pela Sociedade, nenhuma luz foi derramada sobre os simples fenômenos de ver e ouvir. Em relação aos fenômenos físicos mais elevados, que implicam inteligência para a sua produção, tais como a escrita direta ou a fotografia de espíritos, algumas investigações foram feitas, mas em grande parte com resultados quase que inteiramente negativos’”.2
Com o passar do tempo, o espiritismo abandonou a defensiva e assumiu a posição de religião, aliás, como a única religião verdadeiramente cristã, sem abdicar totalmente de seu caráter científico. Mas suas alegações iniciais serviram para atrair todos aqueles que o praticavam por julgarem estar à altura das mentes mais esclarecidas. Esse aspecto kardecista nos faz lembrar da advertência do apóstolo Paulo a Timóteo: “Ó Timóteo, guarda o depósito que te foi confiado, tendo horror aos clamores vãos e profanos e às oposições da falsamente chamada ciência, a qual, professando-a alguns, se desviaram da fé. A graça seja contigo. Amém” (1Tm 6.20,21).
Apelo cristológico
O destaque conferido à figura (pessoa) de Jesus Cristo foi outro fator que contribuiu para o avanço do espiritismo ensinado por Kardec. O Ocidente, de modo geral, e o Brasil, de modo específico, se intitulam cristãos. Independente do conhecimento que estes tenham do evangelho, a figura de Jesus é dominante na cultura. Em seu livro, O evangelho segundo o espiritismo, Kardec tenta sintetizar dois segmentos religiosos definitivamente antagônicos. Até então, não existia o chamado “espiritismo cristão”. Mas, ao fazer de Jesus um médium, o grande decodificador do espiritismo fez que muitas pessoas se aproximassem de práticas até então condenadas e, ao mesmo tempo, se sentissem cristãs.
Todavia, o uso de certo termo não significa que o mesmo esteja se referindo a coisas semelhantes. Temos de nos preocupar com a essência por trás das palavras. Quando o kardecismo fala em Jesus, de qual Jesus está falando? O mesmo Jesus dos evangelhos? O mesmo Jesus conhecido dos apóstolos? Paulo escreveu aos coríntios: “Mas temo que, assim como a serpente enganou Eva com a sua astúcia, assim também sejam de alguma sorte corrompidos os vossos sentidos, e se apartem da simplicidade que há em Cristo. Porque, se alguém for pregar-vos outro Jesus que nós não temos pregado, ou se recebeis outro espírito que não recebestes, ou outro evangelho que não abraçastes, com razão o sofrereis” (2Co 12.3,4). Precisamos saber se o espiritismo possui o Jesus bíblico ou “outro Jesus”.
No evangelho de João, lemos sobre a natureza de Cristo: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus […] E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, e vimos a sua glória, como a glória do unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade” (Jo 1.1,14).
Jesus era o Deus Filho, que assumiu a natureza humana. A Bíblia diz o seguinte: “Nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade” (Cl 2.9).
Sobre João 1.1, escreveu Kardec: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus […] Primeiramente, é preciso notar que as palavras citadas são de João e não de Jesus. Admitindo-se que não tenham sido alteradas, não exprimem, na realidade, senão uma opinião pessoal, uma indução que deixa transparecer o misticismo habitual, contrário às reiteradas afirmações do próprio Jesus”.3
Léon Denis4, o consolidador do kardecismo, negou a obra redentora de Jesus na cruz. Embora a Bíblia diga que Ele é o Cordeiro de Deus (Jo 1.29), que tira o pecado do mundo, Léon negou isto veementemente: “Não, a missão de Cristo não era resgatar com o seu sangue os crimes da humanidade. O sangue, mesmo de um Deus, não seria capaz de resgatar ninguém. Cada qual deve resgatar-se a si mesmo”.5
Como sabemos, Jesus disse que veio para servir e dar a sua própria vida em resgate de muitos (Mt 20.28). Isso mostra que o Jesus do espiritismo não é o mesmo do cristianismo.
Apelo escriturístico
A Bíblia é o livro por excelência. Tornou-se um referencial tão sólido no Ocidente que quando um livro é o mais importante de determinado ramo de conhecimento diz-se comparativamente que ele é a Bíblia de tal assunto: “a bíblia do pescador”; “a bíblia do advogado”, etc. Há quase uma aceitação automática da Bíblia como Palavra de Deus. É parte integrante de nossa cultura, independente da religião professada ou praticada.
Por esse motivo, o espiritismo de Kardec fez amplo uso das Escrituras Sagradas, tanto do Antigo quanto do Novo Testamento, para provar seus ensinos. O livro O evangelho segundo o espiritismo talvez seja o exemplo mais evidente de amplas citações das Escrituras. Diversas passagens são analisadas à luz da doutrina espírita. Embora não ocorram, em nenhum lugar da Bíblia, as palavras reencarnação e carma, Kardec faz a Bíblia dizer o que ela não diz, e, com isso, distorce muitas passagens da Palavra de Deus para que se encaixem em sua opinião.
Como é comum nas seitas, as passagens são citadas isoladamente, fora de contexto, e estritamente selecionadas. Ou seja, a Bíblia não é usada como um todo, mas apenas as passagens consideradas favoráveis aos pontos de vista espíritas. É bom enfatizar que nem todos os ramos do espiritismo procedem dessa forma.6 Esta é uma característica principalmente do kardecismo.
O problema é que a necromancia foi continuamente condenada na Bíblia. As práticas espíritas, como passes, diálogos com mortos, mediunidade, ectoplasmas, movimentação de objetos, entre outras, têm mais a ver com os fenômenos demoníacos apresentados nas páginas do Novo Testamento. A reencarnação foi rejeitada em Hebreus 9.27 e a multiplicidade de vidas
em corpos diferentes está longe de ser uma idéia cristã. Kardec só consegue usá-la distorcendo seu sentido.
Geralmente, os estudiosos kardecistas arriscam um confronto bíblico com as doutrinas espíritas até que possam harmonizar as coisas, porém, quando encurralados, negam completamente seu reconhecimento da Bíblia como autoridade de fé e prática. Léon Denis, filósofo do espiritismo, expressou sua opinião sobre a Bíblia da seguinte forma: “… Não poderia a Bíblia ser considerada a Palavra de Deus, nem uma revelação sobrenatural”.7
Carlos Imbassahy, outro estudioso do espiritismo, vai ainda mais longe ao considerar a relação entre as Escrituras e o espiritismo: “… Nem a Bíblia prova coisa nenhuma, nem temos a Bíblia como probante. O espiritismo não é um ramo do cristianismo como as demais seitas cristãs. Não assenta seus princípios nas Escrituras […], a nossa base é o ensino dos espíritos, daí o nome espiritismo”.8
É fácil perceber que o kardecismo só usa a Bíblia como isca. O primeiro livro de Kardec, publicado em 1857, com o título Livro dos espíritos, mostra a verdadeira fonte do espiritismo — os seres desencarnados com os quais Hipolite Leon entrou em contato. Para uma religião que se intitula o verdadeiro cristianismo, o kardecismo possui bases muito estranhas. Já Isaías proclamava, cerca de setecentos anos antes de Cristo: “Quando, pois, vos disserem: Consultai os que têm espíritos familiares e os adivinhos, que chilreiam e murmuram: Porventura não consultará o povo a seu Deus? A favor dos vivos consultar-se-á aos mortos? À lei e ao testemunho! Se eles não falarem segundo esta palavra, é porque não há luz neles” (Is 8.19,20).
Apelo cosmológico
Cosmologia é a maneira como alguém compreende o mundo ao seu redor. É como consegue encaixar o Universo em um todo coerente. Durante a história do homem sobre a Terra, cada povo teve sua cosmologia particular, que foi mudando ao longo do tempo. A doutrina da reencarnação levantava de imediato duas perguntas de ordem prática:
1) Se as almas estavam reencarnando, por que a população aumentava? De onde vinham as almas excedentes?
2) Se a reencarnação era um processo que aperfeiçoava os homens, por que a humanidade e o sofrimento pareciam crescer ao invés de diminuir?
Para tentar explicar relevantes perguntas, kardec formulou sua própria cosmologia. Segundo sua explicação, esta Terra é apenas um entre muitos planetas habitados. As almas excedentes teriam vindo de outros planetas, justificando, assim, o aumento populacional da Terra. Do mesmo modo, o sofrimento e a maldade não diminuem porque o nosso planeta é um lugar de “purgação”, onde as almas viriam para expiar seu carma por meio do sofrimento. E, tentando defender biblicamente sua posição, cita João 14.2, onde Jesus diz que na “casa de seu Pai há muitas moradas”.
Logo, a cosmologia de Kardec, apesar de satisfazer alguns, não é sólida. Baseia-se na existência de vida em outros planetas, coisa para a qual não existem quaisquer comprovações. Faz de uma interrogação uma afirmação, de uma suposta probabilidade, um fato. Isso, no entanto, de modo algum serve de alicerce concreto para uma crença. Antes, é uma saída de emergência.
Do mesmo modo, João 14.2 não diz nada sobre vida em outros planetas. Identificar a casa do Pai com o Universo e as moradas com planetas está além de qualquer regra de hermenêutica. Este não é um planeta criado para purgações. Quando Deus o completou, viu que era “muito bom” (Gn 1.31). Se hoje possui dores e sofrimento é devido ao resultado do pecado e não a um planejamento de Deus (Gn 3.17-19). Deus deu esta terra aos filhos dos homens para que habitassem nela (Sl 115.16) e não outro planeta.
Apelo racional
Com isso, queremos dizer que o kardecismo fornece uma explicação intelectual para certos fatos da vida e que tal explicação consegue, de alguma forma, tornar aceitáveis as situações difíceis. Ao expressarmos essa teoria, de forma alguma, estamos dizendo que essas explicações são verdadeiras, mas simplesmente que foram largamente aceitas, devido à sua mera aparência de verdade.
Dizer que uma criança nasceu deficiente por motivos existentes em uma vida anterior, embora seja uma mentira impossível de provar, para alguns, porém, parece ser uma explicação razoável. O argumento que diz que os fatos presentes são conseqüência de atos injustos, cometidos em outra vida, parece plausível para alguns, e também o argumento que explicava as exorbitantes diferenças das condições de vida das pessoas.
Por que alguns são muito felizes e outros, muito tristes?
Por que uns são muito ricos e outros, muito pobres?
Por que tanta discrepância se todos são seres humanos?
A resposta só podia estar escondida em uma existência antecedente a esta.
Mas o que precisa ser colocado é que, apesar de existir certo traço de racionalidade nessa colocação, ela é, até certo ponto, perversa. Por exemplo, uma pessoa que sofre muito nesta vida, sente-se, devido a essa teoria, automaticamente culpada por seus próprios sofrimentos. Torna-se culpada sem saber qual é a sua culpa. Todavia, deve aceitar passivamente que tal culpa está relacionada a uma vida anterior da qual não tem a menor lembrança. Imaginem um prisioneiro na cadeia, sendo torturado, sem que ninguém lhe diga qual é o seu crime, mas que tem de acreditar que, se está sendo punido, é porque deve haver alguma razão para isso.
O culpado também precisa ser lembrado que sua raiz histórica (ou seja, reencarnação e carma), que tenha, digamos, começado na Índia, serve para justificar uma situação social de extrema injustiça (Não podemos nos esquecer, porém, que a distribuição de renda na Índia sempre foi escandalosa). Assim, os brâmanes9 estavam no topo, devido a merecimentos anteriores, e os hariyan,10 pelo mesmo motivo: merecimentos passados, eram rejeitados. Justificar esta sólida estratificação social só poderia ser possível apelando-se para motivos divinos e, por conta disso, a reencarnação e o carma também pareciam totalmente lógicos. Estamos vendo aqui uma forma de determinismo (fatalismo) religioso, por meio do qual o mal dever ser aceito, passivamente, como uma manifestação da justiça.
Apelo emocional
Quem não sente saudades de seus entes queridos?
Quem não tem vontade de saber como eles estão?
Quantos não dariam tudo para ouvir sua voz ou conversar com eles?
Pois bem, o espiritismo, principalmente o kardecismo, afirma que pode tornar isto possível. Por conta disso, muitos adeptos dessa religião recorrem a ela em busca de um contato com um parente falecido, especialmente se a morte foi recente. O ser humano, infelizmente, é propenso a acreditar em qualquer coisa, desde que aquilo em que acredita sirva para consolá-lo. E é justamente esse tipo de crença que rende muitos adeptos ao kardecismo.
Inclusive, a imprensa, em certas ocasiões, tem divulgado que alguns famosos, depois de mortos, tentaram fazer “contato” com seus familiares. Foi justamente o que, segundo a imprensa, ocorreu com Ayrton Senna, e tantos outros. Quando Chico Xavier morreu, houve um tremendo “espanto” pelo fato de ele não ter, de imediato, se manifestado em/a nenhum médium. Tais circunstâncias são elementos que sustentam e garantem o sensacionalismo em massa e, alimentados pela mídia, tornam-se instrumentos de divulgação do espiritismo. Se isso não levar uma pessoa (ou várias pessoas) a se tornar praticante, ao menos faz que o contato com os mortos pareça algo normal e verdadeiro, sem nenhum questionamento. Parece ser o fim do mistério da existência pós-morte.
Mas as coisas não são simples assim. Quando o kardecismo toma as Escrituras para justificar suas práticas e crenças, automaticamente se autocondena, porque a Bíblia se opõe a este tipo de ensino (contato entre vivos e mortos). O próprio Jesus, em sua narração sobre a parábola do rico e Lázaro (Lc 16.19-31), demonstrou que isto estava fora do procedimento divino. Vejamos o que diz o texto em referência:
“E, clamando, disse: Pai Abraão, tem misericórdia de mim, e manda a Lázaro, que molhe na água a ponta do seu dedo e me refresque a língua, porque estou atormentado nesta chama. Disse, porém, Abraão: Filho, lembra-te de que recebeste os teus bens em tua vida, e Lázaro somente males; e agora este é consolado e tu atormentado. E, além disso, está posto um grande abismo entre nós e vós, de sorte que os que quisessem passar daqui para vós não poderiam, nem tampouco os de lá passar para cá. E disse ele: Rogo-te, pois, ó pai, que o mandes à casa de meu pai, pois tenho cinco irmãos; para que lhes dê testemunho, a fim de que não venham também para este lugar de tormento. Disse-lhe Abraão: Têm Moisés e os profetas; ouçam-nos. E disse ele: Não, pai Abraão; mas, se algum dentre os mortos fosse ter com eles, arrepender-se-iam. Porém, Abraão lhe disse: Se não ouvem a Moisés e aos profetas, tampouco acreditarão, ainda que algum dos mortos ressuscite”.
Trocar a revelação de Deus nas Escrituras por uma orientação vinda do mundo dos mortos não é, de modo algum, o plano de Deus, e os que agem dessa forma não estão dentro do propósito divino. Como podemos ver, o desejo do homem rico era que seus irmãos soubessem que ele estava em um lugar de tormento. Mas, ao contrário disso, os espíritos que se manifestam no kardecismo sempre alegam estar em um lugar de luz, beleza e descanso. Por isso sua mensagem é facilmente aceita, por ser aprazível aos ouvidos. Se tais espíritos, porém, advertissem duramente todos aqueles que praticam o pecado e não se voltam para Deus, com certeza esses supostos contatos seriam rejeitados. Pois bem, o que podemos constatar é que tudo isso não passa de um tremendo engodo. Deus, todavia, não deixou aos mortos, mas aos vivos, a tarefa de proclamar a sua vontade, expressamente contida em sua Palavra.
Além disso, em nenhum lugar da Bíblia se menciona a existência de um canal aberto entre o mundo dos mortos e dos vivos. Não existe nenhuma possibilidade de comunicação entre eles (vivos e mortos). Suas existências são distintas. Não é obra de Deus a presença de almas perambulando por aí sem destino e propósito. O Senhor Deus é sábio. Foi Ele quem criou o Universo e todas as coisas existentes. É o que nos diz o texto bíblico, em Eclesiastes 9.5,6: “Porque os vivos sabem que hão de morrer, mas os mortos não sabem coisa nenhuma, nem tampouco terão eles recompensa, mas a sua memória fica entregue ao esquecimento. Também o seu amor, o seu ódio, e a sua inveja já pereceram, e já não têm parte alguma para sempre, em coisa alguma do que se faz debaixo do sol”.
Para concluirmos esta questão, podemos afirmar biblicamente que o contato com os mortos sempre foi (e ainda é) algo proibido por Deus. Embora seja uma prática milenar, de modo algum foi autorizada pelo Senhor. Muito pelo contrário, trata-se de uma abominação aos olhos de Deus: “Quando entrares na terra que o SENHOR teu Deus te der, não aprenderás a fazer conforme as abominações daquelas nações. Entre ti não se achará quem faça passar pelo fogo a seu filho ou a sua filha, nem adivinhador, nem prognosticador, nem agoureiro, nem feiticeiro; nem encantador, nem quem consulte a um espírito adivinhador, nem mágico, nem quem consulte os mortos; pois todo aquele que faz tal coisa é abominação ao SENHOR; e por estas abominações o SENHOR teu Deus os lança fora de diante de ti” (Dt 18.9-12).
Como podemos ver pelo texto bíblico em referência, Deus não está apenas proibindo o contato com os mortos, mas também condenando a adoração a outros deuses, não porque tais deuses existam, mas porque adorá-los é o mesmo que adorar os demônios (1Co 10.20,21). Deduzindo, então: quem busca comunicar-se com os mortos, na verdade, está-se envolvendo com espíritos enganadores.
Sendo assim, a necromancia não passa de um engano, uma impossibilidade e uma abominação. Bíblia e kardecismo não se combinam. Podemos respeitar os sentimentos das pessoas que se dirigem aos médiuns buscando um contato com seus saudosos parentes, mas não podemos concordar que se busque solução em algo tão pernicioso quanto essa prática.
Apelo romântico
Aproveitando-se do sentimentalismo humano, o kardecismo romantizou sua doutrina, e fez isso por meio das obras do famoso médium Francisco Cândido Xavier, que escreveu 412 livros, nos quais os ensinos sistematizados por Kardec são apresentados em bela prosa poética. A própria figura do autor é bastante carismática e sua história de vida apresenta diversos pontos que despertam admiração e reverência nas pessoas.
Beleza e verdade não são palavras sinônimas, e mentira e fealdade (qualidade de feio) não são antônimas. Por exemplo: algo pode ser mentiroso e belo ao mesmo tempo. O engano pode estar vestido com uma bela roupagem. De Satanás, é dito que era “perfeito em formosura” (Ez 28.12). Do Messias foi profetizado que “olhando nós para ele, não havia boa aparência nele, para que o desejássemos (Is 53.2).
Não desejamos agredir nenhuma pessoa, e muito menos a sua obra. Mas a verdade espiritual é algo de extrema seriedade. A beleza não tem poder para transformar a mentira em verdade. Por outro lado, o que ela pode fazer é esconder a mentira; ou seja, ocultar os mais terríveis venenos nos pratos mais saborosos. O apóstolo Paulo nos deu uma clara idéia do que isso representa: “E não é maravilha, porque o próprio Satanás se transfigura em anjo de luz. Não é muito, pois, que os seus ministros se transfigurem em ministros da justiça; o fim dos quais será conforme as suas obras” (2Co 11.14,15).
Apelo filantrópico
Concordamos com Tácito Gama Leite Filho, que afirmou: “A razão do crescimento do kardecismo no Brasil, após 1950, foi sua ênfase na caridade”. Seu apelo filantrópico é muito forte. Em um país marcado pela desigualdade social, tudo aquilo que é feito em prol do próximo é visto com bons olhos. Em termos de marketing, podemos dizer que a obra social é um dos fatores mais importantes para se criar uma boa “imagem pública”. Associar esta filantropia com o “amor ao próximo” dos evangelhos foi a melhor maneira de identificar espiritismo com cristianismo, como se este último se resumisse em ajudar os carentes. Até hoje, esse apelo permanece em nosso país como um dos mais fortes.
Além de uma imagem pública positiva, o ato da caridade cria nas pessoas um agudo senso de justiça própria. A pessoa acaba se julgando melhor que os outros; ou seja, melhor que aqueles que, aos seus olhos, não são tão caridosos, e, por conta disso, considera-se digna das recompensas divinas. Tal procedimento faz que essas pessoas “extremamente caridosas” endureçam o coração para receber o evangelho, porque não conseguem ver a salvação sob o prisma da graça, mas somente das obras. “Faço muita caridade, logo, sou melhor que os outros”. Mesmo que Kardec fale contra a caridade orgulhosa, é difícil não se ufanar dela quando isso constitui a base da salvação.
Assim como as demais religiões, o kardecismo também se vangloria de uma auto-salvação, o que, obviamente, está em desacordo com o evangelho. O apóstolo Paulo enfatizou que a salvação não depende, de forma alguma, de obras humanas, antes, é uma graça de Deus, não está relacionada às ações do homem (Rm 3.21-27; Gl 2.16; Ef 2.8,9; Tt 3.5). As boas obras são uma consequência da salvação e não o contrário. A única diferença do kardecismo, em relação às outras religiões, é que ele contextualizou a auto-salvação ao lançar mão do conceito de amor ao próximo do cristianismo.
É importante frisar o seguinte: identificar o amor cristão apenas com as obras sociais em favor dos menos favorecidos não é bíblico. O texto de 1Coríntios 13.3 ensina que alguém pode distribuir toda a sua fortuna aos pobres e, mesmo assim, não ter amor. Embora uma idéia possa de fato remeter a outra, isso não quer dizer que sejam idênticas.
Não poderíamos deixar de fazer uma apologia em favor das igrejas evangélicas concernente às obras de amor, pois frequentemente ouvimos acusações contra os evangélicos de que não demonstram amor ao próximo. Então, vejamos três coisas:
Primeira: o amor ao próximo não se resume em ação social. Existem diversas formas de praticar o amor cristão que não englobam necessariamente as obras sociais. E temos certeza que o ambiente cristão é geralmente cheio de amor.
Segunda (e aqui falaremos sobre a questão da ênfase): O Novo Testamento não enfatiza as obras sociais, pois são apenas um dos elementos do evangelho e não o seu centro, como querem os kardecistas. Se cremos realmente que a Bíblia é o padrão de Deus, entendemos também que o viver cristão inclui muito mais que obras. Prestar ajuda material é apenas um dos elementos cristãos, não o principal. Obras sociais não se constituem ponte de salvação nem para quem faz nem para quem recebe.
Terceira: a igreja evangélica, se olhada como um todo, é insuperável como instrumento de obras sociais no mundo. Muitas denominações evangélicas já foram apontadas como as maiores praticantes de obras filantrópicas do mundo. Organizações cristãs foram criadas somente para prestar serviços humanitários, e isso em todo o mundo. A igreja evangélica, seja local ou global, é um grande veículo de amor ao próximo. Mas por que suas obras não aparecem? Porque as obras não são a nossa ênfase. Porque não precisamos mostrar o que estamos fazendo. Porque estamos em obediência ao mandamento de Jesus, que diz que a nossa mão direita não deve saber o que faz a nossa mão esquerda (Mt 6.3).
Apelo de cura
O último elemento que atrai inúmeros adeptos ao kardecismo é a realização de “curas espirituais”; ou seja, de supostos milagres. As pessoas geralmente correm atrás desse tipo de coisa, que, para elas, é um sinal de aprovação divina. Em uma dedução simples: “Se é milagroso, então é de Deus”.
Mas isto não é verdade. Deus realmente realiza obras sobrenaturais, mas nem tudo que é sobrenatural vem de Deus. As Escrituras nos fornecem provas abundantes a esse respeito.
No livro de Êxodo, por exemplo, temos o confronto de Moisés com os magos do Egito. Pelo menos três milagres realizados por Moisés, sob o poder de Deus, foram imitados pelos magos: a vara que se transformou em cobra (Êx 7.10-12), a água do rio que virou sangue (Êx 7.20-22) e a praga das rãs (Êx 8.6,7).
Em Deuteronômio 13.1-6, temos uma amostra de que a fonte de manifestações psíquicas pode ser de origem maligna. Uma pessoa pode fazer uma premonição, seja em forma de profecia ou de sonho, e isso não proceder do Senhor. A fonte, neste caso, seria maligna, e aquele que faz o “sinal” não foi inspirado por Deus.
O Novo Testamento é ainda mais explícito quanto à questão de milagres e maravilhas satânicos. Jesus disse que surgiriam muitos falsos profetas que fariam tantos sinais e maravilhas e que, se possível fosse, enganariam até os escolhidos (Mc 13.22).
O apóstolo Paulo fala da “eficácia de Satanás com todo poder, e sinais, e prodígios de mentira” (2Ts 2.9) e o livro de Apocalipse 16.14, de “espíritos de demônios, que operam sinais”. Como podemos ver, os poderes psíquicos não precisam derivar necessariamente do homem, mas de uma fonte maligna externa. Logo, não existe nada de óbvio em presumir que os milagres realizados pelos espíritos no kardecismo não sejam divinos. Não há como compará-los aos milagres bíblicos, uma vez que estes eram realizados diretamente por Deus ou por instrumentalidade de um de seus servos, mas nunca por qualquer espírito.
Assim, concluímos que nem todo poder que age no Universo é benéfico e divino. Satanás e seus demônios também realizam “milagres”, desde que isso lhes traga alguma vantagem.
O apelo que devemos ouvir
Agora, depois de apresentarmos os nove apelos do kardecismo, apresentamos o apelo mais acertado, o das Escrituras, que convida as pessoas a deixarem todas essas práticas e se voltarem para o Deus verdadeiro. Nenhuma maquiagem pode transformar algo abominável em algo aceitável, de forma alguma pode transformar algo condenado por Deus em veículo de salvação. Sem a aprovação do prumo das Escrituras, toda obra deve ser rejeitada pelo homem, porque com certeza será rejeitada por Deus.
O evangelho segundo o espiritismo é totalmente reprovado pela Bíblia. O espiritismo segundo o evangelho é uma cilada simpática promovida pelo inimigo de nossas almas. Por todos os apelos que demonstramos aqui, percebemos que não é tarefa fácil lidar com as convicções desse grupo religioso, porém, cabe a nós procurarmos meios, com a ajuda do Espírito Santo, de compartilhar a salvação com os espíritas e suplicar por eles diante de Deus, para que se arrependam e conheçam a verdade (2Tm 2.25).
Bibliografia:
O evangelho segundo o espiritismo, Alan Kardec, Federação Espírita Brasileira.
Porque Deus condena o espiritismo, Jefferson Magno Costa, CPAD.
Religiões e seitas, Tácito Gama Leite Filho, CETEO.
História do espiritismo, Arthur Conan Doyle, Editora Pensamento.
Almanaque Abril 2003, Editora Abril.
Notas:
1 O que é o espiritismo, Opus Editora Ltda, 2ª ed., 1985, 1985, p. 294.
2 História do espiritismo, Arthur Conan Doyle, Editora Pensamento, p. 316.
3 Obras póstumas, obras completas, Opus Editora, 2ª ed., 1985, p.1182.
4 Não confundir com Allan Kardec. Léon Denis nasceu em 1º de janeiro de 1846, em Foug, na Lorena francesa, e morreu em Tours, em 12 de abril de 1927, com 81 anos incompletos. Seus pais foram Anne-lucie e o pedreiro e ferroviário Joseph Denis. Foi consolidador do espiritismo e não apenas o substituto e continuador de Allan Kardec, como geralmente se pensa. Tinha uma missão quase tão grandiosa quanto a do Codificador. Cabia-lhe desenvolver os estudos doutrinários, continuar as pesquisas mediúnicas, impulsionar o movimento espírita na França e no mundo, aprofundar o aspecto moral da doutrina e, sobretudo, consolidá-la nas primeiras décadas do século.
5 Cristianismo e espiritismo, Léon Denis, Federação Espírita Brasileira, 7ª ed., 1978, p. 86.
6 Duas importantes escolas espíritas que não sustentam suas crenças na Bíblia: Escola científica: Também chamados de Laicos. No século XIX, foram liderados pelo professor Angeli Torteroli. Formavam uma frente de oposição aos chamados Místicos. Entre outras coisas, procuravam desassociar o espiritismo do cristianismo. Escola paganizante: Sob a liderança de Carlos Imbassahy, rejeitam a expressão “espiritismo cristão” e negam qualquer fundamentação bíblica do espiritismo. É de Imbassahy a seguinte afirmação: “Nem a Bíblia prova coisa nenhuma nem temos a Bíblia como probante […] O espiritismo não é um ramo do cristianismo como as demais seitas cristãs. Mas a nossa base é o ensino dos espíritos, daí o nome espiritismo”.
7 Cristianismo e espiritismo, Léon Denis, Federação Espírita Brasileira, 7ª ed., 1978, p. 267.
8 À margem do espiritismo, Carlos Imbassahy, Federação Espírita Brasileira, p. 219.
9 Trata-se do posto sacerdotal mais alto dentro do sistema de castas hindu.
10 Trata-se da casta hindu dos marginalizados, ou “intocáveis”.
Por Lídio Hamon – Fonte: ICP – www.icp.com.br