Em “O Exterminador do Futuro 3”, o Exterminador (Arnold Schwarzenegger) tem seu sistema corrompido por sua rival, a Exterminadora T-X, sendo programado para matar John Connor, ao invés de protegê-lo, que era a sua missão. Ele o joga ao capô de um carro velho, e, prestes a matá-lo, vê Connor implorando:
John Connor – Por favor, você não pode fazer isso.
Schwarzenegger – Eu não tenho escolha. T-X corrompeu meu sistema.
John Connor – Você não pode matar um ser humano! Você mesmo disse isso! Você está lutando contra isso agora!
Schwarzenegger – Minha CPU está intacta, mas não posso controlar as minhas outras funções.
John Connor – Você não tem que fazer isso. Você não quer fazer isso!
Schwarzenegger – Desejo é irrelevante. Eu sou uma máquina.
John Connor – Qual é a sua missão?
Schwarzenegger – Garantir a sobrevivência de John Connor e Katherine Brewster.
John Connor – Assim você vai fracassar nessa missão!
Schwarzenegger – Eu não… eu não posso.
John Connor – Você sabe o que tem que fazer.
Dando comandos contraditórios para exterminar e abortar simultaneamente, ele não consegue matar e se autodesliga. Se Edwards estivesse vivo hoje, certamente iria notar muitas semelhanças entre a sua tese e o Exterminador. De fato, Norman Geisler disse:
“Edwards tem uma visão falha e mecanicista da personalidade humana. Ele iguala a livre-escolha do ser humano a uma balança com necessidade de mais pressão a fim de inclinar o ponteiro para um lado ou para outro. Mas o ser humano não é uma máquina; é uma pessoa, feita à imagem de Deus (Gn 1.27)”[1]
A visão mecanicista de Edwards do ser humano é muito semelhante ao sistema do Exterminador. Ele não tem realmente escolha. O desejo “lá no fundo” é algo irrelevante. Se o sistema diz para matar, ele não pode fazer outra coisa a não ser matar. E, se o sistema diz para não matar, ele não poderia fazer outra coisa a não ser não matar. Tudo é pré-programado, em Edwards por Deus, em o Exterminador por T-X. O ser humano não tem nenhum desejo próprio que não venha de cima, nem a mínima capacidade de oferecer resistência a estes desejos.
Isso, muito longe de resgatar o livre-arbítrio, o esmaga da mesma forma que os demais calvinistas o fazem. Como disse Pinnock:
“O que Feinberg se agrada em chamar de livre-arbítrio não merece este nome. Vamos usar um exemplo para esclarecer a questão. José rouba um banco. Ele não precisava fazer isso. Ninguém o forçou a fazê-lo. Mas, ele queria roubar. O currículo e os desejos de José eram de molde a tornar inevitável, naquele momento, o assalto ao banco. Não havia outra saída para José. Era uma vítima de fatores causais sobre os quais não podia exercer o mínimo controle. Um médico poderia tentar reprogramá-lo, porém, nenhum juiz tem o direito de condená-lo por fazer algo que ele não podia evitar. Todo o senso de responsabilidade moral voou pela janela fora, em face do conceito de Feinberg de livre-arbítrio”[2]
Para Edwards, se a pessoa tem 60% de vontade de fazer uma coisa e 40% de vontade de fazer outra, ela nunca, em hipótese alguma, poderá escolher fazer aquilo que ela tem 40% de vontade. Ela sempre vai seguir o desejo maior, e quem dá o desejo maior é Deus, para que o homem siga à risca os Seus decretos previamente estabelecidos. Assim, se Deus “programou” o homem para matar alguém, e este homem tem um desejo menos forte de não matar, ele nunca conseguirá não matar. Ele irá matar sempre. O desejo contrário é irrelevante. Ele é como uma máquina.
Esta tese nos leva ainda a vários outros problemas, além de tornar o ser humano uma máquina sem desejos próprios e sem opções reais de escolha. Por exemplo: e se o homem tiver 50% de desejo por algo e 50% de desejo por outra coisa? E se ele estiver completamente dividido? A Bíblia fala de pessoas que tem a “mente dividida” (Tg 4.8). O que elas deveriam fazer? Para Edwards, não deveriam fazer nada. Deveriam fazer aquilo que o Exterminador fez – se autodesligar, por não suportar o paradoxo. Mas as pessoas sempre continuam tomando escolhas, ainda que estejam divididas.
Outro problema é que, por este prisma, nós nunca poderíamos agir diferente da forma que agimos. E se é totalmente impossível agir diferente de como agimos, então não há escolhas, não há oportunidades diferentes. Aparentemente, há escolhas que podemos tomar, mas, na verdade, nós nunca poderíamos ter optado por outra coisa a não ser por aquilo que de fato optamos. O livre-arbítrio permanece sendo uma ilusão, mesmo no prisma de Edwards. É como disse Reichenbach:
“Se tudo está determinado por condições causalmente antecedentes, aquilo que ela deseja depende dessas condições, não dela. E se tudo é decretado por Deus, não pode acontecer algo contrário aos Seus decretos. Assim, o livre-arbítrio dela para pedir, submeter-se, ficar contente, e desejar estar dentro da vontade de Deus é uma ilusão. Se Deus decretou que ela fique contente, ela só poderá estar contente; se Deus decretou que ela se submeta, não há outra escolha para ela senão a submissão (…) Dessa forma, o livre-arbítrio dela é uma ilusão”[3]
Seguir simplesmente o desejo não é algo que caracterize livre-arbítrio. Livre-arbítrio é ter capacidade de escolhas, é poder agir de uma forma ou de outra. Sem capacidade de escolha, não há livre-arbítrio. Agir somente de acordo com aquilo que deseja agir não é livre-arbítrio coisa nenhuma, ou senão os animais também possuiriam livre-arbítrio, pois eles não fazem outra coisa senão aquilo que querem fazer.
O que nos diferencia dos animais é que não temos apenas desejos, mas possuímos a capacidade de escolha. Escolhas reais, que determinam um futuro não-determinado no passado. É isso o que faz com que o homem seja realmente livre. O desejo, por si só, é irrelevante. Não faz alguém “livre”. Bruce Reichenbach diz que, “se Deus é quem determina, controla e dirige cada ação, nenhuma ação, então, poderá contrariar a determinação de Deus, e, por esta razão, as ações não são o resultado do livre-arbítrio do agente”[4].
Ele também diz:
“De acordo com o compatibilismo teísta de Feinberg, o meu desejar e o meu escolher devem ser decretados por Deus, desde que meus desejos e minhas escolhas são eventos. Dessa maneira, não existe um único exemplo em que eu desejo algo diferente daquilo que foi decretado por Deus. Se eu desejasse outra coisa que não o que foi decretado por Deus, esse mesmo desejo contrário teria sido decretado por Deus. Outra vez o livre-arbítrio torna-se uma noção vazia, visto não haver desejo independente do decreto de Deus”[5]
Outro problema para o “livre-arbítrio” compatibilista é que, segundo ele, Deus pode agir diferente de seus desejos, mas o homem não. Deus pode não desejar um estupro e ordená-lo assim mesmo, mas o homem só pode seguir aquilo que deseja. Se isso é verdade, então Deus seria livre e nós não. Consequentemente, o compatibilismo de Edwards permanece sendo uma ilusão.
O “livre-arbítrio” compatibilista de Edwards também não consegue se desvencilhar facilmente do pensamento de Calvino, onde Deus coage o homem, que é um mero autômato. Edwards diz que o homem é “persuadido”, ao invés de “coagido”, para poder resgatar algum senso de “liberdade” para indivíduos humanos. Mas isso é superficial, visto que a persuasão que Edwards se refere é irresistível, tendo a mesma aplicação prática da coerção.
Da mesma forma que na coerção, o homem nunca pode resistir aos “desejos” que Deus coloca. Geisler criticou isso quando disse que “não haverá base, segundo o conceito de Feinberg, para que Deus ‘garanta’ os resultados, sem forçar o ato livre”[6]. Ele também pergunta: “Como pode Deus garantir os resultados, decisivamente, sem forçar ou coagir o indivíduo? E se a pessoa rejeitar o impulso não-coercitivo proporcionado por Deus? E se ela decidir que não permitirá que esse novo desejo a domine?”[7]
Bruce Reichenbach resume a tentativa compatibilista do livre-arbítrio nas seguintes palavras:
“Em suma, o compatibilismo tenta reconciliar o determinismo com o livre-arbítrio – sem sucesso. Sob esse ângulo, o livre-arbítrio torna-se uma ilusão. De modo semelhante, a tentativa de reconciliar um determinismo divino de todos os eventos com o livre-arbítrio destina-se ao fracasso. Devemos abandonar a ideia segundo a qual Deus é visto como um romancista cósmico; Deus não procura determinar os eventos de nossa existência, mas amar-nos, numa aceitação livre de Sua graciosa salvação, e num relacionamento significativo, aprofundado e cheio de realizações”[8]
Mesmo no sistema compatibilista de Edwards, o homem permanece sem ser livre e Deus permanece sendo o responsável pelo pecado, visto que é ele que coloca o “desejo maior” no agente, e este não pode agir de forma contrária a este desejo. O “livre-arbítrio” fica reduzido a uma mera ilusão e não temos verdadeiras alternativas, nem escolhas reais. Continuamos sendo tão livres quanto uma pedra, e tão responsáveis quanto um robô.
Extraído do livro Calvinismo X Arminianismo cedido pela comunidade de arminianos do Facebook
[1] GEISLER, Norman. Eleitos, mas Livres: uma perspectiva equilibrada entre a eleição divina e o livre-arbítrio. Editora Vida: 2001, p. 263.
[2] PINNOCK, Clark H. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 79.
[3] REICHENBACH, Bruce R. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 72.
[4] REICHENBACH, Bruce R. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 118.
[5] (REICHENBACH, Bruce R. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 71.
[6] GEISLER, Norman. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 65.
[7] GEISLER, Norman. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 65.
[8] REICHENBACH, Bruce R. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 76.