Nota: Segue um comentário de Laurence Vance discordando da ideia fatalista de que Deus escolhe pessoas para endurecer os corações e depois jogá-las no inferno.
Então disse ele: Vai, e dize a este povo: Ouvis, de fato, e não entendeis, e vedes, em verdade, mas não percebeis. Engorda o coração deste povo, e faze-lhe pesados os ouvidos, e fecha-lhe os olhos; para que ele não veja com os seus olhos, e não ouça com os seus ouvidos, nem entenda com o seu coração, nem se converta e seja sarado (Is 6.9, 10).
Alude-se a esta profecia cinco vezes no Novo Testamento (Mt 13.14, 15; Mc 4.12; Lc 8.10; Jo 12.39, 40; At 28.25-27). Antes de examinar os argumentos dos calvinistas para a reprovação, devemos notar algumas coisas importantes sobre a passagem em Isaías. Duas vezes somos informados a quem a passagem está se referindo: “este povo,” que obviamente é a nação de Israel. É também aparente que o fechar dos olhos não foi um ato eterno, ele acontece depois que o povo já tinha nascido. Eles não foram criados com seus olhos fechados – eles eram o povo eleito de Deus. As palavras para que significam que o destino deste povo não foi fixado por um decreto incondicional. Alguns judeus se salvaram posteriormente (At 14.1; 21.20). Dessa forma, todos os elementos necessários para provar a doutrina calvinista da reprovação não estão apenas ausentes, o próprio oposto está presente. Nenhum decreto eterno e incondicional da reprovação poderia possivelmente estar em vista porque nem todos de Israel eram “reprovados,” aqueles que eram não incluíam os gentios, o fechar foi no tempo, e nada estava fixado. Agora, isto significa que os calvinistas não usam este texto para ensinar a reprovação? De jeito nenhum. Mas o modo típico que esta passagem é usada para apoiar a doutrina da reprovação é a mesma que para a maioria dos outros textos-provas – uma lista de versículos é dada ou citada após uma afirmação da doutrina calvinista.
Das cinco vezes que esta profecia é aludida no Novo Testamento, duas nunca são usadas para ensinar a reprovação, porque é dito dos sujeitos que eles fecharam seus próprios olhos ao invés de ter sido feito a eles:
E neles se cumpre a profecia de Isaías, que diz: Ouvindo, ouvireis, mas não compreendereis, e, vendo, vereis, mas não percebereis. Porque o coração deste povo está endurecido, e ouviram de mau grado com seus ouvidos, e fecharam seus olhos; para que não vejam com os olhos, e ouçam com os ouvidos, e compreendam com o coração, e se convertam, e eu os cure (Mt 13.14, 15).
E, como ficaram entre si discordes, despediram-se, dizendo Paulo esta palavra: Bem falou o Espírito Santo a nossos pais pelo profeta Isaías, dizendo: Vai a este povo, e dize: De ouvido ouvireis, e de maneira nenhuma entendereis; e, vendo vereis, e de maneira nenhuma percebereis. Porquanto o coração deste povo está endurecido, e com os ouvidos ouviram pesadamente, e fecharam os olhos, para que nunca com os olhos vejam, nem com os ouvidos ouçam, nem do coração entendam, e se convertam, e eu os cure (At 28.25-27).
Esta variação, curiosamente, nunca é indicada.
A passagem em João que diz respeito à profecia de Isaías é como segue:
E, ainda que tinha feito tantos sinais diante deles, não criam nele; para que se cumprisse a palavra do profeta Isaías, que diz: Senhor, quem creu na nossa pregação? E a quem foi revelado o braço do Senhor? Por isso não podiam crer, então Isaías disse outra vez: Cegou-lhes os olhos, e endureceu-lhes o coração, a fim de que não vejam com os olhos, e compreendam no coração, e se convertam, e eu os cure (Jo 12.37-40).
Esta passagem foi introduzida no capítulo anterior sobre a Depravação Total porque ela menciona alguém tendo a incapacidade de crer. Mas como foi mencionada lá, há uma razão dada para a incapacidade além do fato da Depravação Total. A razão por que alguns “não podiam crer” é, de acordo com os calvinistas, porque Deus “cegou seus olhos” pela reprovação. É por isto que o estudo destes versículos propriamente entra no capítulo sobre a Eleição Incondicional.
Mesmo que muito poderia ser elaborado do fato que Deus “cegou seus olhos,” os calvinistas raramente mencionam esta passagem exceto de passagem ou numa seqüência de textos-provas. Pink, sendo um estudioso da Bíblia melhor do que a maioria dos calvinistas, comenta por que eles foram cegados: “Por quê? Porque eles recusaram crer em Cristo? Esta é a crença popular, mas observem a resposta da Escritura – a fim de que não vejam com os olhos.” Pink está deduzindo que isto se refere ao “endurecimento soberano de Deus dos corações dos pecadores.” Ele sustenta que para alguém ver a reprovação nesta passagem não são necessários “uma prolongada busca ou um estudo profundo, mas um espírito infantil.” O problema é, entretanto, que a interpretação de Pink é um cavalo amarelo, e a morte e o inferno o seguem. Morte e inferno (Ap 6.8) neste caso são personificados como os próprios argumentos de Pink contra a interpretação calvinista padrão que ele precisamente deu. E não apenas Pink, mas outros calvinistas contradizem esta interpretação também.
No mesmo livro em que ele fez os comentários acima, Pink, enquanto tentando provar que Deus endurece as pessoas, novamente se refere a Jo 12.37-40, mas desta vez ele nos informa que “precisa ser cuidadosamente notado aqui que estes cujos olhos Deus ‘cegou’ e cujo coração Ele ‘endureceu,’ eram homens que tinha deliberadamente desprezado a Luz e rejeitado o testemunho do próprio Filho de Deus.” E em seu comentário sobre João, Pink afirmou:
Em conseqüência de sua rejeição de Cristo, a nação como um todo foi judicialmente cegada por Deus, isto é, eles foram deixados à escuridão e dureza de seus próprios corações perversos. Mas é importante observar a ordem destas duas afirmações: em 12.37 eles não criam; aqui em 12.39, eles não podiam crer. Apelos mais atraentes foram feitos. Evidência mais indubitável foi apresentada. Todavia eles desprezaram e rejeitaram o Redentor. Eles não queriam crer; em conseqüência, Deus os abandonou, e agora eles não podiam crer…. A culpa era inteiramente deles, e agora eles devem sofrer as justas conseqüências de sua perversidade…. Esta era a resposta de Deus ao tratamento perverso que Israel tinha dispensado ao Seu amado Filho. Eles recusaram a luz, agora a escuridão será sua temerosa porção. Eles rejeitaram a verdade, agora um coração que amava o erro devia ser a terrível colheita. Olhos cegados e um coração endurecido têm pertencido a Israel desde então.
Gill e Carson igualmente rejeitam a interpretação anterior de Pink:
Não acho que estas palavras são citadas por qualquer de nossos escritores para provar o decreto da reprovação, ou preterição, ou qualquer propósito eterno de Deus para cegar os olhos, e endurecer os corações dos homens, por algum ato positivo de Sua parte, com a finalidade de impedir sua conversão, e para que Seu decreto de condenação pudesse acontecer.
É claro em Marcos e João que esses condenados são em todo caso justamente condenados, isto é, eles são com justiça responsáveis por sua incredulidade (em João, cf. os versículos adjacentes, especialmente 12.35-37, 44ff.). Eles não são forçados a uma incredulidade que eles próprios não desejavam.
Este é mais um exemplo dos calvinistas não apenas discordando entre si mesmos, mas contradizendo a si mesmos.
Que estas passagens baseadas na profecia de Isaías referem-se ao endurecimento judicial de uma nação e não ao endurecimento soberano de indivíduos é perfeitamente claro. Para ainda mais confirmá-lo, deve ser observado onde na Bíblia esta profecia de Isaías aparece. Foi mencionado nos Evangelhos quando os judeus rejeitaram seu Messias e a aparência de mistério do reino foi revelada. Foi citado em João quando os judeus rejeitaram Cristo e ele encerrou suas relações públicas com eles. Paulo refere-se a ele em Atos quando os judeus rejeitaram o Cristo ressurreto e Deus se voltou para os gentios durante o tempo da época da Igreja. A passagem original em Isaías anuncia a Tribulação onde os judeus aceitam um falso cristo. Assim, a passagem em Isaías de modo algum ensinava a reprovação. Todo lugar que ela ocorre, foi dirigida a Israel como nação. Judeus individualmente ainda são convertidos (At 14.1; 21.20) mesmo durante o periodo de rejeição oficial (Rm 11.25). Mas, ainda que estas passagens dizem respeito a Israel, isto não descarta qualquer aplicação espiritual. Nesta época da graça, o Diabo “cegou os entendimentos dos incrédulos” (2Co 4.4) e tira do “coração a palavra, para que não se salvem, crendo” (Lc 8.12). A lição para as pessoas é clara: “Buscai ao SENHOR enquanto se pode achar, invocai-o enquanto está perto” (Is 55.6). A luz rejeitada torna-se raio. Deus não está sob obrigação de revelar a verdade a quem não a deseja ou a tem rejeitado.
Extraído do livro “O Outro Lado do Calvinismo”, Laurence Vance